OS POLONESES NO BRASIL
Antonio Hempel
Membro da expedicao cientifica do dr. Siemieradzki ao Brasil e à Argentina.
Lwów 1893.
Publicacao da Editora “Kurier Lwowski”
Tipografia d Z. Gollos em Lwów.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................. 1 – 4
Capítulo I - A partida ............................................................................................... 5 – 11
Capítulo II – As casas centrais da imigração ......................................................... 12 – 17
Capítulo III – Os poloneses na cidade ..................................................................... 18 – 32
Capítulo IV – Condições de trabalho e situação do imigrante nas fazendas ... .....33 – 40
Capítulo V - As novas colônias das barrancas do Iguaçu ....................................... 41 – 69
Capítulo VI – Os poloneses nas províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul 70 - 80
....................... As colônias polonesas no estado do Rio Grande do Sul ......... ....... 81 – 84
Capítulo VII - As velhas colônias polonesas no Paraná......................................... 85 - 93
..................... Os emigrantes dos anos 1890 – 1891 .................................................... 94
Capítulo VIII - Resultado final da emigração do Brasil dos anos de 1890 – 1891. 95 - 100
INTRODUÇÃO
Julgo ser fora de propósito alinhar algumas observações, mesmo genéricas sobre o panorama global da emigração. í evidente que o problema , especialmente quanto ao seu futuro, diz respeito a milhões de poloneses espalhados pelo globo terrestre.
Todo veredito deve merecer meditação, todo lance de pena
deve ser imbuido de boa fé neste emaranhado de outeiros agrestes,onde pululam conceitos errôneos e até propositadamente falsos. É necessárioter convicção profunda de servir a uma causa boa.
A emigração é questão do futuro.
0 destino dos povos da Europa é povoar os vazios da América, Austrália, África e àsia. Atualmente o berço das futuras nações é a Europa e não a Ásia.
0 processo já vem de séculos e a questão já caminhou longe. Basta recordar os Estados Unidos da América do Norte.
A velha Europa não advirá nenhum proveito desaas massas miseráveis, pois são como espigas perdidas na imensa seara ou árvores raquíticas sombreadas pelas copas das maiores. Não podem sentir o sol. Tem que desaparecer. Essa Gente não pode sustentar a luta da concorrência, a luta luta pela vida, pela sobrevivência. Estão condenados ao desaparecimento. Não trazem proveito ao país e durante a agonia constituem-se em óbice ao progresso dos mais fortes. Dentro desta norma de se beneficiar dos raios solares e na medida em que a gleba pode alimentar, a parcela marginalizada tem que perecer.
Algum dia essas condições infra-humanas mudarão. Se for possivel de alguma forma evitar a luta fratricida, entra filhos da mesma terra, km em cujas veias corre o mesmo sangue talvez algum dia virá a mudança. Hoje temos que nos conformar com a realidade.
“Esses miseráveis” despejados pelos coirmãos mais honestos, infinitamente mais infelizes, transplantados para glebas estrangeiras,em meio estranho, multiplicam-se e crescerão numa enorme sociedade,em toda a terra.
Com esse transplante - arrebatamento do meio familiar de condições penosas- ocupam terras regadas com sangue e perda de vidas, cujos cadáveres de pioneiros - emigrantes povoam o solo e frutificam em
*) Vide “W Brazylii” de autoria do Pe. Chelmicki,pg. 160 Tomo II. Afirma o autor: ”as escórias emigratorias, os vagabundos, os andarilhos...”. Ao menos tivesse ele penetrado num casebre, antes de sua viagemj.. a uma toca desses párias que chama de “szumowiny – przemytnicy” a consciência não lhe permitiria exarar semelhante sentença. Diz um provérbio popular:”o saturado não entende o faminto”.
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prósperas colônias e não deixam margens a duvidas quanto ao futuro desenvolvimento.
Anualmente milhares deles fogem do amplexo da miséria, pois mesmo cegos e pobres, nutrem aspirações de uma vida mais cheia, mais universalistas desejos. Eles também possuem um coração e não podem cruzar os braços diante de uma situação sem saida. Não podem contemplar inertes o inaudito sofrimento de familiares, a morte lenta dos filhos, a miséria de vegetar... A iniciativa, a aventura são respaldadas pelo estímulo, eficiente para atrair essa população de seu meio familiar, que são as cartas, as notícias de parentes e o dinheiro enviado pelos parentes melhor sucedidos. Hoje quase todo emigrante parte com a passagem e com o dinheiro que vaio do alem-mar.
Desta forma dezenas de milhares (40-60 mil ) abandonam a Galícia, o Reino e Poznan. Fora essa emigração que chamo de normal e que segue o caminho descrito, de tempos em tempos surgem as chamadas “febres emigratórias”. Todos recordam aquela de Poznan, após a guerra franco-prussiana e que visava a América do Norte. Ainda ressoa em nossos tempanos o choro e o alarme, que há dois anos, provocou a “febre brasileira”. Engana-se aquele que pensar que não haverá mais “febres”, que são as emigrações violentas.
Basta que um determinado país da América ou da África ofereça passagens gratuitas e avise as populações da Polônia, através de agentes. Imediatamente milhares de pobres partirão, deixando lamentações, choros e maldição contra os agentes* Sem miséria e sem obscurantismo não haveria febres, nem sequer a emigração.
Nas condições atuais não se pode sustar, nem diminuir a emigração. Constitue um fato de que um milhão e meio de patrícios encontram-se nas Américas, na Africa, Austrália e dezenas de milhares espalhados pela Asia e países europeus.
Uma verdadeira comunidade, com cerca de 2 milhões de pessoas, onde existem abastados, cultos, ativos e empreendedores nos campos mais diversificados, comoína ciência, na indéstria, no comércio. Circulam deze-nas de periódicos. Falta um centro de coordenação para aglutinar essas correntes e um elo com a pátria-mãe. Ele poderia centralizar os interesse e divulgar as notíciais sobre poloneses no estrangeiro.
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Por outro lado as infonmações para os que desejam partir são incompletas. A desinformação custa centenas de vítimas, porque não se entende a emigração e questões correlatas.
É precisa sair da indiferença com relação à emigração e evitar que nenhum patrício abandone o país desnecessariamente. Os que partem, saibam pelo menos para onde e para que estão emigrando e não venham a perder-se para a vida e para o ideal polones. Possa, apesar da separação de milhares de quilômetros, o vínculo de união, cultivar a língua e conservar a raça, manter contacto com a pátria-mãe, com a metrópole. Numa palavra devem ser envidados esforços para preservar a nacionalidade entre os emigrantes e relações normais com a Pátria, o que será proveitoso para ambas as partes.
Nossa Pátria caminha ao crescimento por uma via espinhosa através do mundo. Conscientizemo-nos que enviamos anualmente 50 mil pessoas e devemos esperar que daqui a algumas dezenas de anos serão milhões que, pelo número, ciência, iniciativa, imporão respeito ao nome e á nação polonesa.. A Polônia, em suas fronteiras estreitas e nas condições hodiernas é de pouca significação a quem ninguém dá importância.
A emigração é uma questão de sobrevivência da vida polonesa. Se não se desenvolver amplamente, poderá ser apagada pelas potências que cada dia progridem mais. Nao progredir é regredir.
Aduzo algumas palavras sobre a política imigratória dos países da América do Sul. É conhecido que o governo argentino e a seu exemplo o brasileiro, provocaram a imigração européia, oferecendo passagens, terra pagável a longo prazo, casas, sementes, manutenção, etc. A Argentina mudou sua orientação, há um ano e atualmente não importam mais imigrantes.*) 0 Brasil deverá no futuro seguir o exemplo argentino. Eis a principal causa de mudança de orientação. Entre 1873-1886 vieram ao Brasil 304.000 imigrantes. No tempo em que o governo arcava com as passagens, as companhias obtinham bons lucros. Enviaram seus agentes que em 1890 aliciaram 107.100 imigrantes e no ano seguinte 188.816. Os números são de espantar. Aflora a seguinte pergunta: as coisas continuarão nesse pé? Como sair-se-ão os imigrantes? A resposta é obviamente negativa. No ano passado já foram baixadas algumas normas, limitando o ingresso de imigrantes.
0 fundamental da questão situa-se no fato de que o governo brasileiro não dispõe de fundos necessários para fixar e manter os imigrantes.
* ”Os espanhóis constituem excessão. 0 governo preserva certos privilégios: a Companhia Transatlântica Espanhola transporta-os por preços mais baixos e em Buenos Aires eles pagam 45 pesos, o que eqüivale a 70 francos em moeda corrente”.
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Se fizermos as contas, convencer-nos-amos dessa afirmativa: o governo paga s companhias, referente a passagem a importância de 170 francos, pela permanência nos barracos (às vezes dura meses), pelo transporte ate as colônias, pelas despesas de administração, pela medição de terra, pelas ferramentas, sementes e alimentação durante um ano a importância de 500 francos aproximadamente* í evidente que isto é válido desde que o imigrante receba o que a lei lhe faculta.
0 imigrante custa aos cofres públicos aproximadamente 700 francas, no decurso do primeiro ano. Se computarmos os 188.816 imigrantes que aportaram ao Brasil em 1891, teremos a soma de 113.289,600 francos. Se ainda considerarmos que a metade dos imigrantes vai para as plantações de café e a outra para as colônias, as despesas serão bem inferiores, porquanto o governo apenas pagará a passagem e a permanência nos barracos. Neste caso as despesas serão de 70 a 80 mil francos, o que em moeda corrente no Brasil representa 64.000.000 mil réis, tendo-se como base o valor de 800 réis por 3 franco.
0 governo brasileiro desejoso de cumprir fielmente a missão, garantir o futuro As famílias que importa necessitaria dispor anualmente a soma de 64.000.000 mil réiç isto com base nos cálculos relativos ao ano de 1591. Estará em condições de fazê-lo?
Vejamos o orçamento para o ano de 1892: Ministerio do Interior 5.029000francos
Ministério da Dustiça................................................................................4.478.000 fr.
Ministério das Relações Exteriores ............................................ 1.428.000 fr
Ministério da Marinha.............................................................................14.299.000 fr.
Ministério da Guerra.......................................................... 29.116.000 fr.
Ministério da Agricultura, Comércio e Serviços Públicos...........67.172.000 fr.
Ministério da Fazenda............................................................................70.000.000 fr.
TOTAL..................................................................................................... 203.948.000 fr.
Do quadro acima deduz-se de que o governo destina 67.172.000 à Indsutria, serviços Públicos e Agricultura. Certamente a metade dessa importância é destinada à imigração, o que eqüivale a 30 e poucos milhões, o que representa apenas a metade indispensável para cumprir a missão que se propôs para distribuir os imigrantes, isto, naturalmente, sem falar no roubo praticado pelos funcionários, do que daremos provas ao leitor, no malbaratamento por preguiça, na dasordem e no desfteixo. Daqui podemos deduzir porque os chefes nunca tem dinheiro e como conseqüência o sistema mais dia, menos dia há de ruir. O governo brasileiro é objeto de uma crítica justificada, pois pela imprevidência põe em perigo milhares de pessoas que importou para a perdição e para a morte.
Não é meu propósitoe stimular ou demover a emigração. Não creio que se possa ser tentado a tanto. Estamos as vésperas de uma grande emigração, pressionada por tantas causas e acusada por forças tão atuantes e poderosas. Para orientar e normalizar essa corrente, são necessárias vários fatores, diretriz, visão clara e milhões de mil réis.
A minha missão é mais modesta, isto sem exagero ou falsa modéstia. Visa apenas dissecar consciensiosamente apenas um aspecto da corrente desse rio caudaloso que é a emigração. Tem por escopo demarcar o curso desse rio e introduzir um pouco de consciência com o fito de orientar e contribuir para que essas águas que são miliares de patrícios que buscam as terras brasileiras e que o centro de irradiação da vida polonesa possa ser cosntituido.
Cracóvia, 30 de junho de 1892
Antônio Hempel
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A PARTIDA
O propósito de reconstituir o quadro vivo e geral do movimento emigratário, analisar suas causas, traçar as condições em se processou e apresentar a sorte que aguardava o emigrante no Brasil, certamente vou pecar com repetições. Pretendo a sorte do emigrante desde sua partida, até sua fixação na terra prometida. Como não desejo alongar meu relatório, ater-me-ei aos aspectos mais importantes desse movimento do qual fui testemunha ocular, em toda sua trajetória.
Os aldeões do Reino obtiveram somas pequenas pela desapropriação de seus lotes de terra arenosa. Não possuiam condições para produzir o suficiente para a manutenção de suas famílias. A explosão demográfica aumentou o número de inativos – proletários, campesinos, desabrigados que demandaram as cidades. Formaram um material excelente para aventuras emigratórias graças à miséria e ao obscurantismo.
As estatísticas, existentes em Varsóvia, evidenciam com dados fidedignos o seguinte
quadro , relativo à Província de Lomza e aos emigrantes que se destinavam ao Brasil:
Sem terra .......................... 45,9%
Citadinos (proletariado obreiro) ..........39,0%
Empregados de castelos....... ................ 5,0 %
Pequenos proprietarios ......................... 10,0%
Essas cifras demonstram que só es miseráveis abandovam o país e aventuravam a sorte.
Desejo mostrar de forma desapaixonada e exata os sentimentos do povo no momento em que começou a emigração para o Brasil. Tratava-se de um verdadeiro transe e encruzilhada de suas vidas. Decidi, para tal fim, visitar as regiões limítrofes. Aqui se discutia nos bares e nos campos. Fervilhava do nascer ao por do sol. Para não levantar suspeita e repulsa, vesti-me adequadamente e imiscui-me entre os grupos prestes a emigrar. Qualquer suspeita transtornava-os em túmulos silenciosos. Peregrinei a esmo, ouvindo coisas que em outras circunstâncias seria impossível. Relatarei casos, cenas e episódios que presenciei.
Ficará inesquecícel nas províncias do norte do Reino, o outono de 1890. O nosso povo aldeao, deserdado da sorte, pequenos proprietários, massas operárias, acordou de um longo e pesada sono. Despertou repentinamente. Moveu-se... começou a raciocinar...a falar...
Esse homem, eternamente faminto, empanturrado de batatas, de cujos lábios até o presente ninguém ouviu uma queixa contra sua desventura, humilhação, mal se podia suspeitar que essa criatura batatófila, pudesse arquitetar em seu cérebro um juizo.
... em tradução...
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