segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Missão Polaca RS. M. Chmielewski.

A Missão Polaca

ou
0 Tenente Henrique Abczynski e o Jornalista
Casimiro Warchalowski
NO
RIO  GRANDE  DO SUL
RELATÓRIO
APRESENTADO   AO

Exmo. Sr, Dr. A, A. Borges de Medeiros
Pelo
Dr.Miguel Chmielewski
Juiz Districtal da Séde do Municipio de S.Leopoldo
Em 30 de marçco de 1918.
Porto Alegre
Officinas graphicas d´A Federação.
1918

Excellentissimo Senhor Dr. Borges de Medeiros, Preclaro Presidente do Estado do Rio Gran­de do Sul.
Incumbido por V. Ex. de acompanhar o tenente Henrique Abczynski na sua excursão ás colônias pola­cas do Estado, colloquei-me immodiatamente, em õ de Fevereiro p. passado, á disposição do mesmo.
E de regresso a Porto Alegre, em 18 de Março cor­rente, sendo-me determinado por V. Ex. que apresen tasse o devido relatório, o faço por meio deste nas li­nhas que seguem.
RELATORIO
Parte Geral
1.  A missão do engenheiro Henrique Abczynski, tenente do exercito polaco organisado na França e a orientação e a attitude da colônia polaca do Brasil na actual guerra.
2.          O clero e a imprensa polaca.
3.  A Polônia Porto-Alegrense.
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Parte Especial
4.  O comício em Porto Alegre: as synopses dos discursos — do autor deste relatório Miguel Chmielew-ski, de Henrique Abczynski e de Casimiro Warchalowski.
5.  A Resolução "Coritibana e o Comitê Polaco de Porto Alegre.
Parte Final
6.  Os comícios nas colônias.
7.   A attitude dos padres.
8.           Os collegios particulares e a nacionalização.
9.  A impressão sobre o progresso  das colônias.
10.  O voluntariado polaco e os brasileiros.
Parte Geral
A missão do engenheiro Henrique Abcsynski, tenente do exercito polaco organisado na França e a orienta­ção e a attitude da colônia polaca do Brasil na actual guerra.
O tenente Henrique Abczynski veio de França ao Brasil no vapor Liger, desembarcando no Rio de Janei­ro em Setembro de 1917.
Sobre a sua visita ás colônias polacas e, bem assim, sobre a sua missão aqui, foram desde logo publicados vários artigos e noticias pelos jornaes polacos, como tam­bém por algumas revistas brasileiras e jornaes do Rio. Assim é que a vinda do mesmo a Porto Alegre era es­perada pelos polacos aqui residentes e era mesmo por elles desejada. Sabia-se que vinha como Delegado da Missão Militar Franco-Polaca angariar  no Brasil entre os seus patrícios voluntários para o exercito polaco organisado na França.

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E isso naturalmente mais impul­sionaria, tinha-se a certesa, as sympathias que os pola­cos nesta guerra, desde o seu começo votam aos alua­dos, e, por conseqüência, também iria estreitar mais ainda os laços de solidariedade delles, polacos, com os brasileiros.
O tenente Henrique Abczynski e o jornalista Casimiro Warchalowski - redactor e editor do jornal deno­minado «Polak w Brazyljí» que se publica em Coritiba, em polaco, duas vezes por semana - obtiveram das al­tas autoridades da União Brasileira, no Rio de Janeiro, o reconhecimento official da nacionalidade polaca.
Em virtude disso foram organisados desde logo em S. Paulo e em Coritiba os comitês polacos, autorisudos, bem como o do Rio de Janeiro, a emittir ás pessoas que solicitassem, os competentes documentos, afim de não serem considerados, para todos os eífeitos, como subdi-tos russos, austriacos ou allemães, somente pelo f-icto de terem as respectivas potências violentamente domi­nado as terras da Polônia em que essas pessoas nas­ceram.
Como, porém, era de esperar, os jornaes allemães e os dois que se publicam em polaco no Paraná - a «Gaseta Polska» e a «Pobudka» - pelos motivos que lhes são peculiares, atacaram immediatamente a missão do tenente Abczynski e do jornalista Warchalowski. Comtudo, a colônia polaca, toda ella, porquanto nem me­rece consideração maior uma ou outra opinião isolada, mantinha sempre firme o seu apoio aos aluados.
E' verdade que no começo da guerra muitas de­zenas de mil de voluntários polacos, organisados em le­giões na Glalicia (Áustria) investiram contra os exerci-tos do tzar moscovita e durante certo tempo continuaram, ao lado da Áustria, a. combater o terrível  martyrisador da Polônia.
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E' verdade também qae muitos seus patrícios aqui exprimiam áquelles heroes a sua admiração. Mas isso não queria dizer que de qualquer maneira se collocas-sem ao lado da Allemanha.   Pelo contrario, elles diziam: « Desejamos de toda a nossa alma, a destruição completa do poder militar da Rússia « e também igualmente da Prússia. »De facto, a Rússia dos tzares era também inimiga da civilisação. Mas a sua força então presumida, e que aliás era apenas apparente, parecia ser, sob certo pon­to de vista, útil á humanidade; e por isso, era ella, por muitos, até admirada. Além disso, collosso em terras, em população e, sobretudo, em exércitos, ella atemori-sava, pode se dizer, não só a Europa como até o mun­do. E assim, a sua palavra era acatada, a sua vontade era, pelo Occidente, respeitada. Isso, porem, não apa­gava ao mesmo Occidente o desejo de saudar, o mais depressa possível, o dia da libertação dos povos opprimidos.
O Snr. Casimiro Warchalowski, desde o começo da guerra, collocára-se com o seu jornal em excepcional evidencia ao lado dos alliados; e, atacando com vehemencia particular, aliás justa, os allemães, mostrou-se também contra as referidas legiões polacas: tratava de demonstrar a nenhuma utilidade, mesmo o prejuízo da acção das mesmas, á causa da Polônia; - chegando até em seus commentarios nos artigos e em palestras a tra­ta-los com um forte menospreso.
Com isto tendo elle desgostado a muitos, inimigos até da Allemanha, soffreu graves accusações, mesmo calumniosas, por parte sobretudo dos que piamente ainda acreditavam na justiça da casta militar da Allemanha;

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dos que ingenuamente confiavam na palavra do kaiser que prometteu libertar a Polônia - apesar de mio ter elle esclarecido o que entendia, nem a Prússia, pela pa­lavra, libertar; apesar de ter elle trahido o tratado, pelo qual a Prússia tinha empenhado a sua palavra de res­peitar e de fazer respeitar a inviolabilidade da Bélgica; apesar de ter elle dito, por intermédio do chanceller do império allemão que o documento solemne que repre­sentava o referido tratado, nâo passava de um simples e sem valor algum—pedaço de papel.
O clero e a imprensa polaca
O clero nas colônias polacas, tanto no Paraná, como no Rio Grande do Sul, quasi que na sua totalidade col-locava-se com suas sympathias ao lado dos impérios centraes. Os respectivos padres, em grande maioria, fallando mal o polaco e muito bem o allemão, estão sendo accusados de serem propriamente allemães, que aprenderam talvez já tardiamente na Allemanha a lingua polaca com o plano certo de serem destinados para determinadas colônias neste paiz.
Chegou-se até a constatar que alguns delles, antes de aportarem ao Brasil, tinham mudado os seus sobre­nomes genuinamente allemâes para os nomes caracte-risticameate polacos, afim de inspirarem com a maior facilidade a confiança aos respectivos colonos.
Vinham elles vindo para cá, ja desde muitos an-nos, formando na propaganda da civilisação um campo opposto áquelle que oecupavam os semeadores das idéas liberaes, republicanas, democráticas. Entre estes o jornalista Warchalowski, logo no co­meço de sua vinda para o Brasil, pregou, abertamente uma guerra  pertinaz  a esse  clero e  mesmo au  outro em geral.


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Por sua vez os padres atacaram o jornal «Polak w Brazylji» nas igrejas, dos púlpitos e nos confissionarios, e também pelo seu órgão, a «Gazeta Polska>.
Diminuiu por alguns annos a luta mais pronun­ciada desses jornaes, mas recomeçou de novo em outro sentido, já não religioso o sim politico, com a guerra. O jornal clerical manifestava sempre o seu apoio aos impérios centraes e particularmente á Allemanha, o ou­tro, como já foi dito, aos alliados.
Em seus commentarios sobre a guerra, ambos elles mostravam-se em uma opposição excessivamente extre­ma, um em relação ao outro. O jornal dos padres não só parecia ser, mas até pode-se affirmar que era um jornal allemão; o outro era aceusado de servir a Rús­sia, si bem que, temos absoluta certeza, serve elle sem­pre e efficazmente, nesta guerra os interesses dos allia­dos em geral e sobretudo particularmente, sob o seu ponto de vista, os interesses da Polônia.
O terceiro jornal em lingua polaca publicado em Ponta Grossa - a «Pobudka» -ao romper a guerra abra­çou desde logo apaixonadamente a causa da propa­ganda das referidas legiões e mostrava-se sempre mais favorável á Áustria do que á Allemanha E assim, não constituindo propriamente a mesma unidade de vistas com a Gazeta Polska, comtudo, acompanhava a esta nos ataques dirigidos contra o Polak w Brasylji.
Quando o Brasil declarou-se em estado de guerra com a Allemanha, a Gazeta e a Pobudka foram obri­gadas a modificar de certo modo as suas apreciações e a sua linguagem. Entretanto, apesar de annunciarem que defendem as idéas da Polônia e apesar de se mos­trarem amigos fieis do Brasil o traço principal primi-

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tivo sempre se lhes descobre em seus artigos e nas no­ticias.
O jornal Polak. com a entrada do Brasil na guer­ra, sentiu-se mais á vontade ainda: tinha, porem, con­tra" si a grande maioria do clero devido áquella luta que com elle ha alguns annos tinha travado e na qual, segundo a opinião de muitos, empregou um methodo brusco, mesmo violento e prematuro em relação ao gráo da cultura dos colonos daquelle tempo. Além dis­so, ainda tinha elle muitos desaííectos devido ao modo pelo qual, como acima foi dito, combatera as legiões.
Caracterisadas assim ligeiramente as directrizes dos referidos três jornaes, cumpre notar qus tanto no Paraná, como no Rio Grande do Sul e em outros logares, o Polak w Brazylji gosa de melhor aceitação do que os outros dois. Era Porto Alegre, por exemplo, a Ga­zeta tinha ultimamente apenas três assignantes, segun­do me declarou o próprio editor, quando o anno passa­do tive occasião de palestrar com elle em Coritiba.
A Polonia Porto Alegrense
Quando os jornaes em Novembro de 1916 noticia­ram a libertação, que o kaiser proclamara, da Polonia, a sociedade denominada «Liga Polaca» de Porto Ale­gre, entendeu que devia ir, como de facto foi repre­sentada por alguns de seus sócios, agradecer e prestar por isso as suas homenagens ao cônsul da Allemanha aqui. como ao representante do imperador Guilherme. Bem entendido, taes pessoas fizeram isso em nome da referida sociedade - e tão somente. O jornal «Diário» que se publicava aqui nesse tem­po, e que apesar de editado  em portuguez,   era,   sabia-se, um jornal allemão, noticiou immediatamente que taes homenagens foram exprimidas pela Polônia Porto-Alegrense, isto é, por toda ella.



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Como era de esperar, essa noticia desagradou pro­fundamente a colônia polaca de Porto Alegre, inclusive todas as suas três, outras, sociedades. Já antes disso não se solidarizavam os polacos nem sympathisavam com tal Liga, formada apenas de alguns sócios — grande admiradora nesta guerra dos impérios centraes, princi­palmente da Áustria, — quanto mais ainda agora em virtude dessa conducta, a qual não nobilitava de ma­neira alguma a colônia local polaca.
Por isso, convocado immediatamente o comicio geral, correram os polacos á sede da sociedade «Águia Branca» e, reunidos ali em muitas centenas (1) todos elles protestaram fervorosamente contra quaesquer agra­decimentos á Allemanha e contra a nutrição de qual­quer sympathia da parte dos polacos para com a mes­ma. E no protesto que publicaram pela imprensa de Porto Alegre (2) fizeram ver que não lhes merece fé alguma a promessa do kaiser prussiano por conhecerem de sobra os instinctos bárbaros dos successores dos Ca­valheiros da Cruz.
Ao referido comicio presidio o sr. José Zórawski, actual presidente do comitê local.
Occorreu isso, como foi dito, em fins de 1916 — isto é, no tempo em que o Brazil ainda não estava em guer­ra com a Allemanha nem com a8 relações diplomáticas cortadas.
Foi, portanto, verdadeiro, entende-se, o júbilo dos polacos, vendo o Brazil, esta segunda Pátria delles, collocar-se alguns mezes depois activãmente   ao   lado dos alliados, na lucta, hoje do mundo inteiro, luta sangrente, provocada e imposta pela Allemanha ás nações civilisadas.

(1)                Em 30 de Novembro de 1916.
(2)                „A Federação” e   “Noite” de 2 de Dezembro e «Correio do Povo» do dia 3.

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Quanto a essa sincera solidariedade dos polacos com o Brazil, cujos sentimentos e interesses harmonisam-se, de um e de outro lado, completamente, foram publicados nos jornaes da imprenea Porto-Alegrense, vários artigos, como n'«A Federação» de 27 de Abril e ô de Dezembro de 1917, de 17 de Janeiro do corrente anno, e no «Correio do Povo» de 10 de Fevereiro p. passado e outros ainda.
Parte Especial
O Comicio em Porto Áleqre: as synopses dos discur­sos - do autor deste relatório Miguel Chmielewski, de Henrique Abczynski e de Casimiro Warchalowski.
Lançada a idéa da organisaçào do exercito polaco na França, foi dali enviado, como delegado, afim de angariar voluntários para o mesmo, nos Estados Uni­dos da America do Norte, o conhecido escritor Wenceslau Grasiorowski, autor de vários romances históricos.
Além disso, tendo para ali immigrado muitos pola­cos desde longos annos, sendo o seu numero, inclusive os descendentes, de cerca de quatro milhões, o referido escriptor foi auxiliado na sua missão por muitos patri-cios de grande influencia e até celebres, como, por exemplo, o grande musico e compositor Ignacio Pade-rewski, que desde o começo da guerra serve a Polônia' com um ardor indescriptivel, ao lado dos alliados.
Em visita ao Brasil e aos   polacos   aqui  domiciliados, foi enviado o  engenheiro Henrique Abczynski, te­nente do referido exercito polaco.

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Não era elle, antes, conhecido aqui ; mas bastava ser representante daquelles heróes que pela liberdade da Polônia offerecem o seu sangue e a sua vida, para por uns, como aconteceu, cordealmente recebido, ser pelos outros, ao menos respeitado, isto é, por aquelles que entendiam ser prejudicial ou desnecessário o exer­cito polaco na França.
Porém, sempre e em toda parte ha homens que se collocam differentemente sob todos os pontos de vista de ideaes e de interesses. E assim, encontraram-se indiví­duos, sobretudo no Paraná, que, para se vingarem do jornalista Warchalowski, dirigiram também ataques ao seu companheiro de missão, tenente Abczynski.
Em Porto Alegre, em vista disso e por outros mo­tivos, desconüava-se que algumas pessoas igualmente portar-se-iam de um modo desagradável por occasião do comicio, si do outro lado partisse de alguém alguma phrase em certo sentido forte e offensiva.
Para evitar facto semelhante, alguns membros, de relativo destaque da Polônia Porto-Alegrense me exi­giram expressamente que eu presidisse a tal sessão como ex-dirigente, por alguns annos, de um collegio polaco local e também das sociedades, continuando as minhas palavras a merecerem no respectivo meio um sincero acatamento.
Vendo a insistência no referido sentido, declarei que a respeito iria dar a resposta depois de previa con­sulta ao Exmo, Presidente do Estado.
Incumbido por V. Ex. de acompanhar o tenente Abczynski nas reuniões respectivas, bem assim, autorisado a tomar parte activa nas mesmas, sendo depois indicado por vários membros da colônia poloca local e aceito unanimemente pelos demais reunidos no referido comicio, presidi ao mesmo.

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Este comicio polaco de Porto Alegre, realisado por occasião da visita do tenente Henrique Àbczynski e do jornalista Casimiro Warchalowski, teve logar no edifício da sociedade «Águia Branca», á rua S, Pedro n. 71 - na tarde do dia 10 de Fevereiro p. passado.
Aberta a sessão, expuz á assistência, em palavras relativamente breves, algumas passagens da conhecida de todos ali presentes, historia da Polônia. Destaquei as lutas ininterruptas com os seus inimigos, inimigos de sua liberdade e que eram os turcos e os tartaros, os russos, os allemães e os cavalheiros da cruz - hoje co­nhecidos estes sob o nome de prussianos.
Lembrámos a sympathia mutua, os idênticos senti­mentos humanitários, os interesses communs no progresso da civilisação - que já desde séculos uniam a Polônia ao Occidente da Europa, principalmente á França, cujos filhos chamavam, por isso, a Polônia de França Oriental.
Veio depois o criminoso, o feroz dilaceramento do corpo vivo da Polônia, sem que as nações, suas amigas, tivessem podido soccorrel-a. Seguiram-se os martyrios da infeliz nação. A casta militar da Rússia, dirigida desde Pedro o Grande pela Prússia, era juntamente com os suecessores dos Cavalheiros da Cruz - um terrível algoz dos polacos.
Arrancavam-lhes e a seus filhos o pão quotidiano regado de suor; prohibiam-lhes
alimentar o espirito e a alma; violentavam-lhes - elles, os russos e os prussia nos,  os sentimentos affectivos e - massacravam-nos em massas, fuzilavam-nos e enforcavam,
quando na li­berdade da Polônia ousávamos fallar
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Muitos polacos emigraram e foram emigrande para as outras terras, - onde as suas lagrimas eram comprehendidas, onde as suas dores eram sentidas. Foram elles procurar outras Pátrias, Pátrias livres e liberaes, para, fieis a ellas, unidos aos patrícios adoptivos, con­tribuindo com o seu trabalho para o seu progresso na civilisaçao - espelhar ali a vinda do grande dia que os chamasse para o combate final contra os tyrannos da Polônia querida, tyrannos da humanidade.
E assim vieram aportando desde quasi trinta annos também ás hospitaleiras plagas brasileiras, esses ppregrinos, esses exilados, que, como escreveu o immor-tal Adão Mickiewicz, não podem em parte alguma sen­tir-se completamente felizes, porque, a Polônia amada continuava infeliz.
O generoso Brasil os acolheu como a próprios fi­lhos. Deu-lhes quasi tudo: deu-lhes o que a algemada terra natal lhes não poude dar.
Por isso, cultivando as saudades da Pátria longínqua e sonhando sempre com a vinda certa do feliz dia da libertação da Polônia, foram elles amando o Brasil ca­da vez mais, foram elles confraternisando-se cada vez mais com os brasileiros.
E estes, os brasileiros, já bastante conhecidos na grande historia da civilisaçao moderna pela sua eleva­da cultura de humanitários princípios, - desejando a mais breve independência da Polônia, abrem os seus corações aos filhos dessa terra-martyr, já atravéz das sentimentaes palavras de seus illustres poetas, publicis­tas e oradores, já atravéz dos actos e das acções de seus homens do poder publico, já atravéz das opiniões emit-tidas, em occasionaes reuniões e palestras, pelos simples cidadãos do povo.
Provas de tudo isso existem a cada passo indestructiveis. 

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E como que reunindo a todas ellas,  ha poucos mezes ainda, o Brasil official, como membro da com-munhão universal, como potência internacional, fez vêr pelo seu Ministro do Exterior, Exmo, Dr. Nilo Peçanha, de uma maneira particularmente expressiva e eloqüen­te, em resposta á nota de Sua Santidade, o Papa, que uma das principaes condições da paz deve ser a res­tauração e a liberdade completa da Polônia.
E ainda - finalisava eu a meu discurso - incum­bido agora pelo Exmo. Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, de acompanhar pelas colônias o tenente Henrique Abczynski, mandou-me elle. o eminente Dr. Borges de Medeiros que transmittisse aos meus patrícios as seguintes palavras de Sua Excia.
« Sempre eu sentia, e muito, a infelicidade « da Polônia; e sempre também mantinha o « mais sincero desejo de que o dia da liberda-« de surgisse para ella o quanto antes. Esse « grande dia finalmenie agora se approxima, «já está elle perto. Os polacos serão felizes:  terão a Pátria restaurada unida e independente.
« Mas, devem elles ficar certos de que essa « felicidade   advirá não da parte  da   Allemanha e sim, com o auxilio dos aliados. »
É natural que o  auditório todo elle acolhesse,  co­mo acolheu, as cordeaes e grandemente   valorosas pa­lavras do Exmo. Presidente do Estado, com um enthusiasmo excepcional; e, exprimindo   no momento   a sua gratidão ao Povo Brasileiro e ao Governo - ergueu ca­lorosos vivas ao  Rio  Grande do   Sul, ao   Brasil e   aos seus grandes homens, sobretudo a V. Excia. a Ruy Bar­bosa, Nilo Peçanha e a Wenceslau Braz.
O sr. tenente Henrique Abczynski expôz em segui­da com palavras que commoviam o auditório e em co­res vivas, o estado em que, desde o começo  da guerra
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se acham os habitantes da Polônia: a oppressão que elles soffrem por parte dos allemães; as deportações, as prisões, as execuções por meio de fuzilamento e de for­ca ; as requisições, a fome, a miséria, o terror e a morte — que imperam na distante, querida Pátria - Polônia, á qual o kaiser prometteu a liberdade.
Lembrou as lutas que sem cessar, desde o sexto século; desde a formação da Polônia, foram obrigados os polacos a sustentar contra os allemães, defendendo-se dos seus bárbaros ataques.
Evidenciou os factos históricos que provam como os allemães nas relações com a Polônia, sempre tratai-am as promessas,  mesmo as mais solemnemente feitas,
Historiou certas passagens da presente guerra, e citou as provas, entre outras, as de fontes mesmo allemãs, de que as legiões polacas, as mesmas que no co­meço da guerra tinham investido contra a Rússia, ne­garam-se depois a combater ao lado dos allemães e austríacos e recusaram-se a prestar o jnramento de obe­diência ao commando allemão; e como foi o organisa-dor dellas José Pilsudski - pelos allemães aprisionado.
Fez vêr como o chamado «Governo Polaco» organisado em Varsovia pelos allemães, não exprime a von­tade da Nação, e como elle é coagido pelos governa­dores e pelos generaes do kaiser.
Lembruu como o deputado polaco Ignacio Daszynski, protestando no Parlamento de Vienna contra as vio­lências dos dominadores, lançou a estes accusações fun­damentadas, com devidas provas, de terem sido no im­pério da Áustria enforcados por ordem das autoridades desta, desde o começo da guerra até os últimos dias, cerca de trinta mil polacos.
Caracterisando a guerra actual, demonstrou que ella é uma luta  não entre   as nações   simplesmente, e sim uma luta terrível de vida ou  morte entre  os  dois mundos.

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Um delles é o mundo da força exclusivamente bru­ta, é o império da violência; o outro é o mundo da ci-vilisação propriamente dita, é o império da humanita-rismo.
E este - continuou - o mundo da luz, o mundo dos justos, triumphará victorioso sobre o mundo das trevas, sobre o mundo dos criminosos.
Essa victoria — prosseguiu o tenente Abczynski - está provada hoje, mais do que nunca ; e essa victo­ria triumphal   é que libertará a   Polônia.
Os pfiizes aluados - continuou o tenente - a Fran­ça, a Itália, a Inglaterra, os Estados Unidos da Ame­rica do Norte, todos elles em fim, assim como o Brasil, annunciam desde já que por occasião da celebração da paz, acabada a presente guerra mundial, a libertação, a independa completa da Polônia será solemnemente proclamada.
E as forças militares polacas organisadas na Fran­ça, não apenas com o nome de legiões, mas de exercito polaco, são o symbolo vivo dessa independência reco­nhecida e amparada pelas potências referidas.
E elle, o tenente Abczynski, mensageiro desse exer­cito, fazia aqui appello aos que podem tomar parte nas íileiras desses guerreiros, para com elles irem com as armas na mão levantar bem alto o glorioso estandarte da liberdade.
Comtudo - accrescentou - aquelles que por vario motivos superiores não nos poderem acompanhar, aquel­les que aqui ficarem, elles,  apesar de   não   vestirem a farda militar, que se  considerem, entretanto,  soldados na luta activa contra o bárbaro militarismo  prussiano.
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E estejam onde estiverem, trabalhando em fabricas ou cultivando a terra, devem sempre esforçar-se para produzir; - principalmente os agricultores que produ­zam o mais possivel, porque do esforço de todos esses soldados productores, também depende muito a nossa victoria.
Por fim o tenente Abczynski, testemunhando a sua gratidão aos polacos e aos brasileiros pelo cordeal aco­lhimento á sua pessoa e pelo que fizeram e fizerem pro-Polonia, - disse que dentro de um tempo breve, seguin­do para a linha de fogo, para o campo da batalha, onde talvez terá a sorte de encontrar a sepultura, — levava daqui no fundo de sua alma as mais gratas impressões.
O Snr. Casimiko Warchalowski, em uma lingua­gem succinta e admiravelmente lógica, pela qual, como jornalista, é bem conhecido, além de uma instrucção solida que possue, expôz de sua parte os interesses e os ideaes pelos quaes na presente guerra mundial lu­tam os alliados, e os interesses e as ideas que dominam a Allemanha.
Sustentou de accôrdo com as opiniões, já por elle tantas vezes externadas no <Polak w Brazylji> que a nao ser a orientação clara pro-alliados, todas as outras correntes são fatalmente prejudiciaes á causa da Polô­nia e, bem assim, aos demais paizes liberaes inclusive ao Brazil.
Que portanto, toda propaganda dessas correntes feita de qualquer modo e que sempre presta um certo auxilio á Allemanha, deve ser terminantemente condem-nada.
Hoje sobretudo, ainda mais se impõe essa condem-naçâo, porquanto mais provas ainda possuímos, a cada passo, de que nada valem as promessas do kaiser e da sua Allemanha.
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Apresentou em seguida as razões de creaçao do Comité Central Polaco em Coritiba e de outros nas ca­pitães de vários Estados, - os quaes em occasiões opportunas fossem interpretando por seu intermédio o sentir e o pensar dos polacos em relação ao Brazil e em relação á Allemanha; que fornecessem, bem assim, ás autoridades competentes informações que fossem so­licitadas quanto aos membros da colônia polaca, - e que, outrosim, prestassem a estes o eventual e possível amparo.
Exemplificou como - si bem que, segundo foi in­formado, no Estado do Rio Grande do Sul não houve casos, mas em alguns outros logares - por occasião em que as autoridades locaes tomavam certas medidas contra os allemães, muitos polacos soffreram incommodos. por­que, nascidos em terras polacas usurpadas pela Alle­manha, foram considerados como subditos do kaiser.
Por isso, - continuou - esses comitês fornecerão documentos, comprobatorios da nacionalidade polaca, ás pessoas que isso solicitarem e que se acharem nas devidas condições, isto é, polacos nascidos na Polônia, seja na parte do território occupado por força das ar­mas, pela Allemanha, seja pela Rússia ou pela Áustria; provando taes pessoas, além disso, perante os referidos comitês, de uma maneira plena, que os seus sentimen­tos não se acham deturpados pelas funestas ideas dos inimigos da Polônia.
Declarou, conforme já foi publicado no seu jornal «Polak w Brazylji» — que a formação desses comitês é autorisada pelo reconhecimento, no referido sentido por parte das mais altas autoridades da Nação Brazileira, no Rio de Janeiro, inclusive pelo Snr. Ministro do Ex­terior, Exm°. Dr° Nilo Peçanha, - e, bem assim, pelos Ministérios e Consulados dos paizes aluados; que afora o comitê do Rio de Janeiro que  pela iniciativa da co-
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lonia local foi ali-fundado em Julho de 1917 - foram ultimamente organisados um também em S. Paulo e como já disse, o comitê central em Coritiba; sendo que os respectivos governos estaduaes igualmente lhes de­monstram o seu reconhecimento e apoio.
Salientou depois que o Emo. Dr. Borges de Medei­ros, Preclaro Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, tendo recebido em audiência especial a elle e o te­nente Abczynski com um cavalheirismo que muito os captivou, deu da mesma maneira a sua mais ampla ap-provação á missão delle e â do tenente Abczynski des­ignando a Miguel Clunielewski, juiz districtal da sede do município de S. Leopoldo, para a respectiva excur­são, e antorisando-o bem assim, a representar o Comitê Central de Coritiba junto ao Comitê de Porto Alegre.
Em seguida o sr. Casimiro Warchalowski, que é Presidente do referido Comitê Central, leu a resolução inserta nu n. 99 de 19 de Dezembro de 1917 do Polak w Brazylji - da qual elle é autor, e que foi approvada pelo comício geral de polacos, realisado em Coritiba no dia 16 do referido mez de Dezembro.
Depois de terminada a leitura, fazendo o mesmo um breve coramentai-io da dita resolução, submetteu-a á apreciação dos presentes.
Foi ella logo após por todos, isto é, unanimemen­te approvada, — tendo assim corrido os trabalhos da sessão na mais perfeita ordem e harmonia.
Segue abaixo a traducção fiel da resolução coriti-bana que, como ficou dito acima, foi approvada igual­mente pelo comício polaco de Porto Alegre e que se acha publicada no ri. 70 de 13 de Fevereiro p. passado d'«A Federação.»
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A Resolução Coritibana
« A aspiração constante de toda a nação « polaca é a unificação e a restauração da Po-«lonia livre dentro de suas antigas fronteiras, « comprehendendo o rio Vistula em toda a sua « extensão, inclusive a fóz do mesmo,
« A realisação deste desejo nacional, podera ter logar unicamente pela destruição « do militarismo prussiano e pela extincção de « sua preponderância na Europa.
« E em virtude de terem os paizes allia-« dos, inclusive os Estados Unidos e o Brasil, « incluído na base de seus fins, na presente «guerra, a defesa do direito de regerem-se to-« dos os povos livremente formando Estados « independentes, - resulta disso que os interesses dos polacos harmonisam-se completamente com os interesses dos aliados.
« O Comício Polaco de Contiba constata « que a sua orientação, quanto á política polaca, é a mesma que está sendo evidenciada «pelos polacos residentes em todas as três partes da Polônia, bem assim, que é sustentada pela grande maioria dos que residem « fora della, tanto na Europa como na America.
« A resolução do Comitê da Dieta de Cracovia, de 28 de Maio de 1917; a declaração « do Club Polaco no Parlamento Allemão: a « deliberação do comicio de polacos em Moscou, de 6 de Agosto do mesmo anno, e em fim, a incontestável opposição ao recrutamento de polacos em toda a extensão do territorio da Polônia central, oecupado hoje violen-
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« tamente pelas forças militares allemãs ; - como ainda, a recusa formal que as legiões polacas - orpanisadas no começo da guerra na « Galicia - fizeram, negando-se ellas a prestar « o juramento de fraternidade com o exercito « allemão e de obediência ao seu commando  revelam amplamente a orientação da política polaca.
« Tomando a Polônia a posição de nação «independente, cujos filhos não só tem o direito, como até o dever de combater pela reivindicação da liberdade de sua Pátria, com as armas na mão - o Comício exprime a sua convicção de que o primeiro dever de todos  esses polacos que podem livremente dispor  de sua sorte, é a organisação indispensável  por elles do Exercito Polaco, que é symbolo  vivo da Polônia que resuscita.
« O Comício, baseado nos princípios proclamados pelos paizes aliados, de cada nação dirigir seus destinos, declara que como a  principal conseqüência dessa attitude dos alliados, resulta a aceitação pelos mesmos dos representantes da Polônia na futura Conferencia da Paz.
« O Comício declara que os polacos, de accordo com as tradicções da Polônia, sustentarão fielmente a amizade para com a « Grande Nação Brasileira, - a qual acolheu-os hospitaleiramente no seu seio e agora apoia generosa e desinteressadamente as suas aspirações nacionaes e políticas, - e que sempre  estão elles promptos para cumprir o seu de ver em  fileiras na luta  commum pela liber« tação  dos povos, pela  victoria dos grandes  ideaes do direito.

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« O Comício incumbe o eleito Conselho « Nacional:
« I de representar a defeza dos interes-« ses polacos, onde disso se revelar a necessi-«dade:
« II de informar por intermédio de seus « órgãos ou publicações avulsas a opinião pu-« blica no Brasil e fora de suas fronteiras so-« bre a attitude dos polacos e sobre as suas « aspirações;
« III de congregar os esforços dos pola-« cos no Brasil, para serem coordenados a to-« dos os esforços dos polacos residentes na Po-« lonia e fóni delia.
« O Coraicio incumbe o Conselho Nacional « de eleger o Comitê Central de cinco membros, que será órgão executivo do Conselho « e representará os interesses da colônia pola-« ca do Brasil perante o Governo e o Povo « Brasileiro.
« 0 Comício incumbe ainda o Conselho, « e eventualmente o Comitê Central, de desi-« gnar o seu representante junto ao Comitê Po-«laço em Paris, afim de representar a colônia « polaca do Brasil.»
O Comitê Polaco de Porto Alegre organisado pelo comicio acima referido ficou constituído de cinco mem­bros, sendo escolhidos e eleitos para os mesmos os três presidentes das três sociedades polacas locaes e dois outros membros da colônia respectiva — além do sex­to que é representante do Comitê Central.
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Na sessão do Comitê   realisada na noite do mesmo dia 10 de Fevereiro, no salão da sociedades polaca de «Thadéu Koscinszko Kosciuwka» á rua Commendaüor Azevedo n. 28—á qual estiveram também presentes o te­nente Abczynscki, o jornalista Warclalowski e o autor deste relatório, foram eleitos:
José Zórawski — presidente do Comitê Ladisláu Turkiewicz — vice presidente Gregorio Kulesza Filho — 1° secretario Ignacio Budaszewski — 2o secretario Júlio Ladisláu Pryzbylski — thesoureiro.
Parte Final
Os comidos nas colônias
O Comício na colônia Marianna Pimentel - foi realisado na quarta feira de 13 de Fevereiro; na colônia S. Feliciano - no domingo, dia 17 na sede e no dia 18 em uma das linhas; - em Ijuhy foi realisada uma ses­são no domingo de 24 e duas nas linhas no dia 27: na sede da colônia Guarany - no domingo de 3 de Março, em Erechim - uma reunião teve logar a 7 de Março na Sede Nova de Paiol Grande e uma no domingo dia 10 na sede de 13 de Maio.
Para as referidas reuniões expedíamos com a ne­cessária antecedência avisos telegraphicos a alguns co­lonos e bem assim igualmente participações às autori­dades competentes, designando-se o dia e o logar.
Ao snr. Coronel Eduardo Pires,- sub-intendente de Marianna Piraentel, fizemos a respectiva participação pessoalmente, por occasião do nosso encontro, dias antes em Porto  Alegre.  
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Aos   demais, isto   ê, ao  snr.   Sub-intendente de S. Feliciano, ao snr. Coronel Intendente Municipal de Ijuhy.ao Snr. Dr. Director da Colônia Gua-rany e ao Snr. Dr. Director da colônia Erechim - expedi os telegrammas nos seguintes termos :
Determinação Presidente Estado acompanhando mis­são polaca participo  reunião  colonos dia  tal lugar tal.
Os telegrammas que dirigiamos aos colonos e a al­gumas outras pessoas, para faserem as convocações, assignavamos os três: Abczynski, Warchalowski e Chmielewski.
Em todos esses logares tivemos por parte das re­feridas e de outras autoridades as mais elevadas pro­vas de apreço, inclusive das da Barra do Ribeiro, que nos esperaram, afim de nos cumprimentar, por oeea-sião da chegada ali do vapor.
O tenente e o jornalista pretendiam effectuar igual­mente um comício na sede da sociedade polaca na ci­dade do Rio Grande.
Para isso designou-se o dia 20 de Fevereiro e - via S. João de Camaquam e S. Lourenço tínhamos tomado o rumo de Pelotas. As torrenciaes chuvas, porem, bem assim, em conseqüência dellas, um desarranjo no auto­móvel, atrasaram a Jnossa viagem de tal maneira que conseguimos chegar a Pelotas apenas no dia 20 á meia noite. E como só pelo trem que partia logo na ma­drugada podia se chegar a Ijuhy para o dia 24-designa­do á reunião, e para nao causar transtorno aos colo­nos com o adiamento, o tenente e o jornalista tomaram esse trem immediatamente e apenas eu, devidamente in­cumbido, é que segui a Rio Grande, afim de justificar perante a sociedade polaca ali os motivos de força maior que impediram áquelles senhores fazer-lhe a desejada visita e para transmitir-lhe as saudações e mais pala­vras dos mesmos.
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Também,  além disso,   esperava receber  ali de Exc.a as ordens quanto à continuação, por mim, da via­gem.
Tinha-me sido determinado que da colônia S. Feliciano regressasse a Porto Alegre, porquanto, em rela­ção aos demais logares iria V. Exc. recommendar por telegrammas os dois visitantes ás competentes autori­dades.
Entretanto, os dois excursionistas affirmaram-me com insistência que a minha companhia lhes era ne­cessária também dahi em deante; e o tenente dirigiu a V. Exc. nesse sentido, por telegramma, o seu pedido, ao qual a resposta era esperada no hotel Paris, na ci­dade do Rio Grande.
Tendo eu, de facto, já encontrado ali dois phono-grammas, um para o tenente e o outro para mim, autorisando-me a acompanhar os dois illustres viajantes em visita ás colônias da serra, tomei em seguida o primeiro trem via Bagé e Santa Maria,   alcançando-os em Ijuhy.
Em todas as mencionadas reuniões que foram effectuadas nos logares referidos, expúnhamos, todos os três, e desenvolvíamos as proposições, das quaes a synthese apresentei na parte relativa á reunião realisada em Porto Alegre.
A todas ellas compareceu um numero relativamente grande de colonos, apesar mesmo de máu tempo, que por coincidência, desagradavelmente nos surprehendia.
Em todas as physionomias dos assistentes, em to­das as suas exclamações e palavras evidenciava-se a mais sincera solidaridade com as nossas opiniões.
Todos manifestaram inequívocos desejos pela victo-ria dos alliados, — victoria esta que também será a do Brazil e da  Polônia.
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A attitude   dos padres
O facto interessante, si bem que comprehensivel, como já fiz vêr no começo deste relatório, é que certos padres extrangeiros eram geralmente conhecidos pelas suas opiniões e attitudes, como germanophilos, isto é, como estão sendo chamadas as pessoas que desejam a victoria da Allemanha.
Para tornar em qualquer sentido mais efficaz a nossa missão, - apezar de nâo ter eu relações de espé­cie alguma com os padres e apesar de ser o jornalista Warchalowski considerado por elles como inimigo até da Igreja - fiz ver aos meus distinctos companheiros que juntamente com os demais telegrammas envindos aos colonos, deviamos ao mesmo tempo endereçar igual­mente também aos padres, porquanto tanto sob o ponto de vista da causa da Polônia como do Brazil e em sum-ina, da civilisação, causa á qual servimos - devemos não repellir, mas, pelo contrario, attrahir os poderosos elementos que pela influencia que exercem no meio da população colonial, não só podem mas até nos devem ser úteis.
Depois de emittidas a respeito umas e outras con­siderações, enviamos opportunamente telegrammas - ao padre Stys em S. Feliciano, - ao padre Golom-bowski em Ijuhy e - ao padre Miesopust em Erechim; aos outros não enviámos, porque, ignorávamos os seus nomes.
Quando depois chegávamos em um ou outro logar sempre algumas pessoas expontaneamente nos avisa­vam de que o padre ahi era um germanophilo, e logo procuravam provar com as narrações de certos factos essas suas asserções.
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Entretanto, a attitude  de   todos  esses e de  outros padres por occasiao da nossa rápida permanência pro­vou-nos felizmente o contrario e de uma maneira mais plena.
O padre Stys tomara expontaneamente assento junto de nós no comicio de S. Feliciano, e por occa-sião da nossa despedida desejou em publico a queda da Allemanha. O padre Golombowski retirou-se logo para a linha da colônia onde reside, trinta e tantos ki-lometros afastada da villa de Ijuhy, - assim é que. quando ali cheguei não o mais encontrei: porém, se­gundo ouvi dizer, igualmente da mesma maneira elle se externa.
Com o padre Stawianovski em Marianna Pimentel a respeito de quem diziam os colonos que é um faná­tico pela Allemanha, não tivemos occasião de fallar, não o vimos.
Em Guarany visitaram-nos no hotel o padre Swobbda e o padre Rymar. O primeiro exprime-se em po­laco com certa difficuldade, fala melhor o allemão. O padre Rymar, como é notório no logar, está sendo ab­sorvido desde muitos annos pela idea fixa de inven­ção de um novo aeroplano, Disse-nos elle que não lê os livros que tratam da aeronáutica, porque, não pre­cisa delles, tendo já descoberto uma lei verdadeira - segundo a sua expressão, pela força da qual. por elle applicada, o seu aeroplano será, no gênero, a ultima palavra.
Pretende offerece-lo, quando estiver prompto, á Polônia. Porém, si a Polônia - observou com hesita­ção - se collocasse em guerra contra o Brazil, então - concluiu com a máxima firmeza - iria da-lo ao Brazil.
O padre Zygmunt, vigário de Ijuhy, assim que regressou da viagem que fizera a Erechim, logo no mesmo dia visitou-nos e disso que o padre Miesopust, na linha de  13 de Maio,  recebera o nosso   telegramma
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e teria grande prazer em hoopedar-nos a todos três em sua casa; e que de nossa parte devíamos aceitar o con­vite, porque, mesmo no logar não havia hotel nem uma outra casa em condições assim  apropriadas.
Realmente fomos hospedados por esse padre de uma maneira a mais captivante.
0 que, porém, é mais característico ainda, é que tido elle como grande germanophilo, accusado poucas semanas antes como tal perante o sr. bispo, em S. Maria a quem os colonos polacos pediram que o substituísse por um outro padre patriota, - para nós mostrou-se o mais fervoroso alliado.
Depois do sermão, era domingo, o padre Miesopust pediu aos colonos que comparecessem todos ao comício para a realisação do qual offereceria elle expontanea-mente a igreja, porquanto, a sala de um collegio par­ticular no logar era pequena, e mesmo o tempo, como fazia ver não estava firme para se realisar fora a reunião.
E assim, o ultimo comício, com o qual o tenente Abczynski e o jornalista Warchalowski encerraram a longa serie dos mesmos, realisados no Rio de Janeiro, em S. Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul, foi effectuado na igreja.
E fallamos ali, parece-me, ainda com maior enthusíasmo, com maior ardor, - não sei si, porque, cada um de nós pronunciava o seu ultimo discurso, nessa nossa peregrinação pelas colônias si, porque, influía a solemnidade do logar, a igreja, a proximidade do altar, a imagem visível de Christo que pela humanidade o sangue seu derramou. Quanta sinceridade ha nessas demonstrações dos padres, o futuro o provará. O que é certo comtudo, ó que os seus superiores hierarchicos, os srs. bispos e ar­cebispos,  com   a influencia   igualmente patriótica  dos governos, já os inspiram na orientação melhor a cum­prirem não somente o seu dever em relação a Igreja, mas também em relação á Pátria.

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A Allemanha tem o seu kaiser e, como este mesmo o diz, o amigo delle Deus: mas o Brazil para a sua grandeza, para a sua felicidade não necessita de nenhum amigo do kaiser, - o Brazil  também tem o seu   Deus.
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Os collegios particulares e a nacionalisação
Na excursão, tendo occasionalmente visitado al­guns collegios particulores, como ainda em palestras com os professores polacos que os dirigem, verifiquei qne os seus discípulos aprendem ali a que devem aprender - o que devem saber e a que devem sentir em re­lação á Pátria delles que é - o Brasil.
E' o que igualmente reconhecem com as suas pa­lavras e com os seus actos - u Dr. Ayres Pires d'Oli-veira, director da colônia Guarany - o Dr. Joaquim Brasil Cabral, director da colônia Erechim e o Coronel Antônio Soares de Barros, intendente do município de Ijuhy.
Quanto ás aulas particulares, peço respeitosamente venia para passageiramente notar aqui umas compre-hensões extranhas.
Em jornaes ultimamente vindos de Coritiba aca­bo de lêr que ao Congresso do Paraná foi apresentado um projecto de lei que prohibe o funccionamento das aulas particulares, quando as lições não forem explica­das em portuguez; permittindo-se a explicação em ou­tra lingua somente no ensino da mesma.
Assim essa lei devia ser applicada sem distincção em relação ás línguas de qualquer nacionalidade.

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É verdade que no Rio Grande do Sul leis nem projectos semelhantes nâo aparecem, mas em toda parte ha pessoas de certo destaque mesmo, conforme também o meio, jornalistas até, que pregam por vários meios a necessidade da applicaçâo de taes e de outras medidas, para, dizem, a salvação da Pátria.
E chegam no seu ardor de sentimentos patrióticos aliás louváveis, a accusar até  os governos,  porque  es­tes não tomam severas medidas de nacionalisação e ou­tras desde já, de maneira repentina e  rigorosa,  imme-diatamente, severamente.
Mas, resolvem elles esse grande problema e outros ainda com tanta facilidade, a seu modo- porque não conhecem devidamente a nossa Constituição Federal como a Estadual; não entendem, parece, que os gover­nos doe povos republicanos e cultos não fazem as leis a modo do tzar ou do kaiser, muitas das quaes não são leis como a expressão do direito e sim, são vio­lências.
Não conhecem elles a historia de nacionalisações, a psychologia dos povos, a opportunidade ou não das me­didas e os seus próximos ou remotos effeitos.
Certos rigores excessivamente applicados em rela­ção ás línguas quaesquer que ellas sejam - e ainda mais, hoje, e para com as creanças, não auginontariam de modo algum as forças que possuímos nem sob o ponto de vista real, nem tão pouco moralmente.
Medidas semelhantes, como já disse, apesar de aconselhadas, pelos louváveis sentimentos patrióticos, por um lado, - podem ser também insufladas pelos por-prios inimigos da Pátria Brasileira.
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As impressões sobre oprogresso das colônias
Durante a excursão colhíamos em todas as refe­ridas colônias as mais satisfactorias impressões do pro­gresso das mesmas.
E' certo que não attingem ellas aquelle gráo de de­senvolvimento que têm as colônias povoadas pelos agri­cultores de outras nacionalidades. Mas também isso é na­tural; não são ellas tão antigas.
Além disso, vindos os polacos de climas e de con­dições agrícolas completamente differentes, mais pobres em geral do que os outros, porque o governo russo, o allemão e o austríaco lá os opprimia economicamente, bem assim, em nada os auxiliando aqui, as suas difficuldades também eram sempre maiores.
Comtudo o bem estar necessário vão com o traba­lho conquistando.
O município de Ijuhy, dotado de boas estradas, bem conservadas, alem da estrada de ferro que desde alguns annos dá impulso ali á vida em todos os senti­dos, põe em um saliente destaque a sua colônia entre as outras. O mesmo vae-se notando com a colônia, re­lativamente nova de Erechim, a qual, em sua longa ex­tensão cortada pela estrada de ferro, vae tendo um de­senvolvimento admiravelmente rápido.
A grande colônia de Guarany vae também se evi­denciando pelo seu progresso, o qual naturalmente se­rá muito maior ainda, quando ali penetrar o caminho de ferro, que em construcção já não dista longe.
A colônia de S. Feliciano fica á grande distancia dos centros maiores e da via férrea ; também não a favorecem muito as suas estradas vicinaes.

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Assim é   que o  desenvolvimento da sede não cor-responde á grande  riquesa productiva da colônia; não a acompanha.
A colônia de Mariana Pimentel, não possuindo ou­tros factores muito favoráveis, é comtudo compensadii em grande parte pela proximidade da capital do Estado.
E assim em todas cilas sente se o colono bem; não o atormenta o futuro.
Em todas essas colônias nota-se muito a admirá­vel providencia do Governo Estadual no desenvolvi­mento da agricultura, -- já melhorando as estradas existentes, já construindo as novas, já organisando pro-jectos de muitas outras communicaçfres mais fáceis e mais rápidas, já fazendo muitos outros melhoramentos ainda.
Principalmente o jornalista que ha trese annos ti­nha feito uma excursão atravóz de algumas dessas co­lônias, e assim agora viu com maior destaque o que nellas se fizera nestes últimos annos e o qut; se estava fa-sendo, — de quando em quando exprimia a sua satisfa­ção e fazia elogios ao benemérito Governo do nosso Rio Grande.
Particularmente, porém, agradou se elle mais da região que atravessámos em automóvel de S. João de Camaquam a Pelotas.
A extensa planície, ondeada, por assim dizer, pelas pequenas colunas, com abundância de gado e de ca-vallos. cheia de aves de toda espécie inclusive ave­struzes, cegonhas e até águias, aqui e acolá um arroio lembrava lhe, disse, a terra, onde se criou - a Ukraina.
Si isso aqui eu conhecesse quando vim para o Brasil accrescentou, terminando a sua contemplação - para aqui é que eu teria trasido o meu lar.
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0 voluntariado polaco e os brasileiros
Todos os referidos comícios approvavam por una­nimidade sempre a resolução coritibana.
Erguendo vivas ao Brasil, á Polônia, á França e em fim a todos os paizes alliados, os assistentes já se aprofundavam, em seus pensamentos, no passado, já com, enthusiasmo avançavam rapidamente atravez" do futuro. Muitos, commovidos, approxirnavam-se do tenente e bei­javam o emblema da Polônia — A Águia Branca— que elle trazia no braço esquerdo.
Nos discursos como em palestras não eram empre­gadas nenhumas palavras que de qualquer maneira po-dessem constituir alguma coacção moral aos assistentes, afim de se apresentarem como voluntários do exercito jpolaco na Fiança.
Entretanto, em cada colônia apresentavam-se im-mediatamenie alguns, promptos a prestarem o compro­misso'e para dentro de tempo breve seguirem a Porto 'Alegre ou .a Coritiba, conforme a respectiva proximi­dade, afim de lá, na França, nos campos da vida e da "morte, representar a Polônia Brasileira, a Polônia Rio-Grandense.
 Na colônia Guarany, onde o seu direetor Dr. Ayres d`Oliveira fazia parte da commissão de recepção, com­pareceram ao comício mais de mil e quinhentas pessoas.
De parte a parte, tanto por occasiao da nossa che­gada como durante o comício, foram também pronun­ciados discursos em portuguez, na velha lingua de Ca­mões, na bella língua de brasileiros.
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Evidenciamos como os brasileiros e os polacos se irmanam sinceramente nos sentimentos de humanita-rismo.
A Polônia era generosa era liberal, era ideal; não era vingadora. E o Brasil também é magnânimo na grande historia da civilisação: entre as suas paginas de oiro diamantinos monumento elle tem.
E o que mais fortemente attrahe os olhos da Po­lônia é o da guerra do Paraguay.
O Brasil, ao lado de outras duas nações irmãs a Argentina e o Uruguay, repellindo o Paraguay no seu ataque, venceu-o subjugou-o e depois perdoou-lhe a sua culpa; o Paraguay não foi desmembrado, é livre, os seus filhos são felizes, elles amam os brasileiros.
E na Europa, na paz, ha annos, entre as nações mais sabias do mundo, em Haya, na elaboração das leis internacionaes por meio da palavra, por meio da rasão, por meio da sciencia. na defesa do direito, na defesa dos povos opprimidos, na defesa da liberdade da humanidade, representado na gloriosa luta pelo ma­gno Ruy Barbosa - o Brasil foi vencedor.
E na mesma Europa, agora, na guerra, na luta sangrenta contra o despotismo, contra a oppressão, contra a tyrannia, contra a ferocidade, contra a selvageria - o Brasil, também, como sempre, será vencedor.
O heróico soldado, brasileiro sempre será fiel áquela ordem sagrada do legendário Floriano Peixoto.
Agora elle, o soldado brasileiro, ouve: o Marechal de Ferro, do seu túmulo, renova a ordem  A' bala
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São estes, Exmo Snr. Presidente, os dados e as im­pressões que colhi na missão para a qual tive a honra e o praser de ser por V. Excia. designado.
Este meu trabalho apresento aqui em traços ge-raes. Mesmo assim talvez, sem necessidade alguma, fui em vários pontos um tanto prolixo. Esse defeito, es­pero, V. Excia. me relevará, porquanto, procedi assim guiado pelas intenções as mais elevadas. Com o mais profundo respeito e grande admii ação, de V. Excia.

Miguel Chmielewski
São Leopoldo, 30 de Marçco de 1918.

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