segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ucranianos. Uma igrejinha infestada.

UMA IGREJINHA INFESTADA
Gazeta do Povo, 03 de setembro de 2006 (Domingo) Paraná.
UM DOS PRIMEIROS SÍMBOLOS DA RIVALIDADE ENTRE "POLACOS" E "UCRAÍNOS" do Paraná está ameaçado. A Igreja de São Miguel Arcanjo da cidade de Mallet, na Região Sul do esta­do, construída há cerca de 100 anos com madeira local, neces­sita de uma restauração urgen­te sob pena de ter sua estrutura condenada. O paradoxo é que o mais antigo exemplar de arqui­tetura ucraniana corre o risco de ruir, enquanto que uma répli­ca, erguida no Parque Tingüi, em Curitiba, apesar de também precisar de reparos, está firme e forte.
Os principais problemas da igreja original não estão expos­tos. A estrutura nunca foi mexi­da. Os morcegos encontraram o ninho ideal dentro das paredes triplas. A umidade das fezes está estufando a madeira. Além do cheiro nada agradável para quem está tentando se abstrair para conversar com Deus. Durante as missas noturnas, eles também participam com o farfalhar de suas asas. As marcas dos cupins também estão por toda parte. 0 principal receio é de que as vigas estejam comprometidas.
No telhado, líquens fizeram morada. Várias fases de acaba­mento se sucederam, resultando em luxos como sarrafo e forro. Externamente é revestida de mata-junta e do lado interno, de lambril. A última pintura foi feira em 1964, e tingiu em tons de azul, verde, dourado, marrom e vermelho o interior da igreja -com desenhos delicados, que vão até o teto. O assoalho de tábua corrida é bem amarelo. Do lado de fora, em volta, há banquinhos protegidos por um telhado baixo, de dois metros de altura.
Sacrifício
Nikon Zalutzki, 86 anos, mora em uma dessas casas construídas com telhado para resistir à neve que nunca veio. Ele já faz parte da arquitetura do lugar. Recebe curiosos e visitantes esboçando descrédito e ar rabugento. "Só falam, falam e ninguém faz nada para salvar a igreja", dispara. A comunidade reclama que antes do tombamento histórico, em 1982, mal ou bem, dava-se um jeito de mantê-la arrumada. Desde então, nada foi feito.
Nikon pisou a última vez na igreja na Sexta-Feira Maior. "Dá medo", diz. O filho Aristides ain­da complementa: "pode dar uma desgraceira total". Aristides, uma prova das possibüidades inesgotáveis de conciliação, é metade polonês, metade ucrania-no.Ele lembra que as pessoas moravam em casas simples e que pouco faziam para uso próprio.


Tudo era destinado para a paró­quia. “Foi feita com muito sacrifí­cio”. Aliás, essa foi a marca mais profunda que a igrejinha deixou na comunidade. Foi construída com doações e exigências. A avó de Laura Mudrek, 41 anos, con­tava que até para se confessar era preciso trazer um pedaço de madeira. A penitência era paga em vigas. “Se uma criança já po­dia caminhar, tinha de levar um cavaco junto. E eram quilômetros e quilômetros andando”, comple ta Zalutzki. A igreja pode ser visitada so­mente aos sábados e domingos e o acesso é fácil, com um trecho curto de estrada de chão em con­dições trafegáveis. Um aviso aos fiéis-turistas: lá, as missas ainda são celebradas com o padre de costas para os fiéis e os homens sentados no lado de São Nicolau, à direita de quem entra, e as mu­lheres no lado de Nossa Senhora. Uma tentativa de restauração está nas mãos da arquiteta Jus­sara Valentini, do Instituto Arqui-brasil, de Curitiba. Ela, que já pesquisa cúpulas ucranianas com financiamento da Fundação Pe-trobras, vai apresentar na próxi­ma semana um projeto de restau­ro por vias da Lei de Incentivo Cultural. Jussara destaca o pri­mor da obra e acredita que as constantes mudanças no prédio original foram muito bem incor­poradas ao edifício. Certeza mes­mo só de que a estrutura, as esquadrias e parte da cobertura são originais. 0 orçamento já está pronto: por R$ 600 mil seria possível deixá-la tinindo.
Katia Brembatti


RIVALIDADE ÉTNICA DEU ORIGEM À CONSTRUÇÃO

OS POLONESES CHEGARAM PRIMEIRO   EM  MALLET  e impuseram seus costumes à pri­meira leva de ucranianos que se instalou na região. A colônia só se fortaleceu à medida que os con­terrâneos chegavam ao lugar. Para isso, o papel do padre Nikon Rozdolskei foi fundamental. Ao chegar em Mallet, no final do século 19, deparou-se com o que deve ter considerado uma afron­ta: uma igreja polonesa, em bam­bu, construída numa planície com uma torre, na frente, de 50 metros de altura, que se destaca­va no horizonte.
A rivalidade étnica fez Roz­dolskei escolher o ponto mais alto do lugar, com 1.015 metros de altura em relação ao nível do mar, para erguer a igreja ucraniana. Na construção original, tudo foi feito com madeira encaixada, sem nenhum prego. Começou a ser erguida em 1897 e foi concluída em 1903. O morro, para deixar vistosa a façanha, foi um empeci­lho a mais para as obras. Os ope­rários levavam nas costas as toras de pinheiro ladeira acima. Há pranchões com 14 metros de comprimento.
A igrejinha era realmente um primor. Uma foto, datada de antes de 1920, mostra como era a edifi­cação. Sem pintura e nenhum detalhe colorido por fora. Só o tom grafite da madeira. As tábuas foram intertravadas, com ajuda de formão e bate-estaca. A fundação, que ainda é original, foi feita com tarumã, madeira que se petrifica. A planta é em forma de cruz grega. No isolamento do teto foram usados sacos de estopa, banha e cera. A cúpula é octogo-nal por dentro e, por fora, é reves­tida de tábua pré-cozida. Na fren­te, a inscrição diz "Conosco Deus, entendam as línguas e arrepen dam-se, conosco Deus". Seu idealizador morreu em 1906, de febre amarela, pouco depois de ver a igreja pronta.
Algumas marcas restaram. Os lustres de ferro ostentam velas e cristais. Uma das relí­quias é a Bíblia trazida da Ucrânia. A escrita arcaica nem os descendentes mais de­dicados se arriscam a ler. 0 cemitério, nos fundos do quin­tal, é pontuado por cruzes de ferro, trabalhadas, como man­da a tradição da etnia. Quanto mais rebuscada, mais rica era a família. (KB)
CAPITAL
Réplica em Curitiba será reformada
A réplica da Igreja de São Miguel Arcanjo no Parque Tingüi é baseada no modelo original, sem as adaptações que foram feitas ao longo dos anos. Não corre o risco de desabar, mas precisa de restauração. De acordo com o diretor de obras da Secretaria de Meio Ambiente de Curitiba, Paulo Dalmaz, "pelo tempo que ficou sem conservação, até que está bem". A licitação para a reforma já foi feita e as obras devem começar nos próximos dias. Será feita uma revisão geral do telhado e a impermeabilização do angico do revestimento. Com R$ 70 mil para o restauro, Dalmaz assegura que "ela vai parecer nova", como era em 1994.

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