terça-feira, 14 de setembro de 2010

Os polonesês no Brasil. A.Hempel.

OS POLONESES NO BRASIL

Antonio Hempel

Membro da expedicao cientifica do dr. Siemieradzki ao Brasil e à Argentina.

Lwów 1893.

Publicacao da Editora “Kurier Lwowski”
Tipografia d Z. Gollos em Lwów.

SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................  1 –  4
Capítulo I  - A partida ...............................................................................................  5 – 11
Capítulo II – As casas centrais da imigração ......................................................... 12 – 17
Capítulo III – Os poloneses na cidade ..................................................................... 18 – 32
Capítulo IV – Condições de trabalho e situação do imigrante nas fazendas ... .....33 – 40
Capítulo V - As novas colônias das barrancas do Iguaçu ....................................... 41 – 69
Capítulo VI – Os poloneses nas províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul 70 - 80
.......................  As colônias polonesas no estado do Rio Grande do Sul ......... ....... 81 – 84
Capítulo VII - As velhas colônias polonesas no Paraná.........................................  85 -  93
.....................   Os emigrantes dos anos 1890 – 1891 ....................................................   94
Capítulo VIII  - Resultado final da emigração do Brasil dos anos de 1890 – 1891. 95 - 100



INTRODUÇÃO
Julgo ser fora de propósito alinhar algumas observações, mesmo genéricas sobre o panorama global da emigração. í evidente que o problema , especialmente quanto ao seu futuro, diz respeito a milhões de poloneses espalhados pelo globo terrestre.
Todo veredito deve merecer meditação, todo lance de pena
deve ser imbuido de boa fé neste emaranhado de outeiros agrestes,onde pu­lulam conceitos errôneos e até propositadamente falsos. É necessárioter convicção profunda de servir a uma causa boa.
A emigração é questão do futuro.
0 destino dos povos da Europa é povoar os vazios da Améri­ca, Austrália, África e àsia. Atualmente o berço das futuras nações é a Europa e não a Ásia.
0 processo já vem de séculos e a questão já caminhou longe. Basta recordar os Estados Unidos da América do Norte.
A velha Europa não advirá nenhum proveito desaas massas mi­seráveis, pois são como espigas perdidas na imensa seara ou árvores raquíticas sombreadas pelas copas das maiores. Não podem  sentir o sol. Tem que desaparecer. Essa Gente não pode sustentar a luta  da concorrência, a luta luta pela vida, pela sobrevivência. Estão condenados ao desaparecimento. Não trazem proveito ao país e  durante a agonia constituem-se em óbice ao progresso dos mais fortes. Dentro desta norma de se beneficiar dos raios solares e na medida em que a gleba pode alimentar, a parcela margi­nalizada tem que perecer.
Algum dia essas condições infra-humanas mudarão. Se for possivel de alguma forma evitar a luta fratricida, entra filhos da mesma ter­ra, km em cujas veias corre o mesmo sangue talvez algum dia virá a mudan­ça. Hoje temos que nos conformar com a realidade.
“Esses miseráveis” despejados pelos coirmãos mais honestos, infinitamente mais infelizes, transplantados para glebas estrangeiras,em meio estranho, multiplicam-se e crescerão  numa enorme sociedade,em to­da a terra.
Com esse transplante - arrebatamento do meio familiar de condições penosas- ocupam terras regadas com sangue e perda de vidas, cu­jos cadáveres de pioneiros - emigrantes povoam o solo e frutificam em

*) Vide  “W Brazylii” de autoria do Pe. Chelmicki,pg. 160 Tomo II. Afirma o autor: ”as escórias emigratorias, os vagabundos, os andarilhos...”. Ao menos tivesse ele pe­netrado num casebre, antes de sua viagemj.. a uma toca desses párias que chama de “szumowiny – przemytnicy” a cons­ciência não lhe permitiria exarar semelhante sentença. Diz um provérbio popular:”o saturado não entende o faminto”.

2
prósperas colônias e não deixam margens a duvidas quanto ao futuro desen­volvimento.
Em  nossa  Pátria, depois da emigração puramente politica, cons­tante da multidão de jovens insurretos, que dos campos de batalha demanda­ram o Ocidente e mesmo a América, pensando em retornar em breve a terra natal a outra. A emigração política era esporádica e formou os primeiros lares poloneses através do mundo. A outra emigração foi a peregrinação em busca do pão, pão esse que a terra natal não estava em condições de lhes oferecer. A partir dos meados deste século flue essa corrente humana em bus­ca de melhores condições que em sua Pátria não teriam condições de alcançar. Demanda o além-mar, dissemina-se pelo mundo em pequenas correntes, levando pelo leito cada dia mais água, que são os miseráveis.
Anualmente milhares deles fogem do amplexo da miséria, pois mesmo cegos e pobres, nutrem aspirações de uma vida mais cheia, mais universalistas desejos. Eles também possuem um coração e não podem cruzar os braços diante de uma situação sem saida. Não podem contemplar inertes o inaudito sofrimento de familiares, a morte lenta dos filhos, a miséria de vegetar... A iniciativa, a aventura são respaldadas pelo estímulo, efi­ciente para atrair essa população de seu meio familiar, que são as cartas, as notícias de parentes e o dinheiro enviado pelos parentes melhor sucedi­dos. Hoje quase todo emigrante parte com a passagem e com o dinheiro que vaio do alem-mar.
Desta forma dezenas de milhares (40-60 mil) abandonam a Galícia, o Reino e Poznan. Fora essa emigração que chamo de normal e que segue o caminho descrito, de tempos em tempos surgem as chamadas “febres emigratórias”. Todos recordam aquela de Poznan, após a guerra franco-prussiana e que visava  a América do Norte. Ainda ressoa em nossos tempanos o choro e o alarme, que há dois anos, provocou a “febre brasileira”. Engana-se aquele que pensar que não haverá mais “febres”, que são as emigrações violen­tas.
Basta que um determinado país da América ou da África ofereça passagens gratuitas e avise as populações da Polônia, através de agentes. Imediatamente milhares de pobres partirão, deixando lamentações, choros e maldição contra os agentes* Sem miséria e sem obscurantismo não haveria fe­bres, nem sequer a emigração.
Nas condições atuais não se pode sustar, nem diminuir a emi­gração. Constitue um fato de que um milhão e meio de patrícios encon­tram-se nas Américas, na Africa, Austrália  e dezenas de milhares espalha­dos pela Asia e países europeus.
Uma verdadeira comunidade, com cerca de 2 milhões de pessoas, onde existem abastados, cultos, ativos e empreendedores nos campos mais diversificados, comoína ciência, na indéstria, no comércio. Circulam deze-nas de periódicos. Falta um centro de coordenação para aglutinar essas correntes e um elo com a pátria-mãe. Ele poderia centralizar os interes­se e divulgar as notíciais  sobre poloneses no estrangeiro.
3
Por outro lado as infonmações para os que desejam partir são incompletas. A desinformação custa centenas de vítimas, porque não se entende a emigração e questões correlatas.
É precisa sair da indiferença com relação à emigração e evitar que nenhum patrício abandone o país desnecessariamente. Os que partem, saibam pelo menos para onde e para que estão emigrando e não venham a perder-se para a vida e para o ideal polones. Possa, apesar da separação de milhares de quilômetros, o vínculo de união, cultivar a língua e conservar a raça, manter contacto com a pátria-mãe, com a metrópole.  Numa palavra devem ser envidados esforços para preservar a nacionalidade entre os emigrantes e relações normais com a Pátria, o que será proveitoso para ambas as partes.
Nossa Pátria caminha ao crescimento por uma via espinhosa através do mundo. Conscientizemo-nos que enviamos anualmente 50 mil pes­soas e devemos esperar que daqui a algumas dezenas de anos serão milhões que, pelo número, ciência, iniciativa, imporão respeito ao nome e á nação polonesa.. A Polônia, em suas fronteiras estreitas e nas condições hodiernas é de pouca significação a quem ninguém dá importância.
A emigração é uma questão de sobrevivência da vida polonesa.  Se não se desenvolver amplamente, poderá ser apagada pelas potências que cada dia progridem mais.  Nao progredir é regredir.
Aduzo algumas palavras sobre a política imigratória dos países da América do Sul. É conhecido que o governo argentino e a seu exemplo o brasileiro, provocaram a imigração européia, oferecendo passa­gens, terra pagável a longo prazo, casas, sementes, manutenção, etc. A Argentina mudou sua orientação, há um ano e atualmente não importam mais imigrantes.*) 0 Brasil deverá no futuro seguir o exemplo argentino. Eis a principal causa de mudança de orientação. Entre 1873-1886 vieram ao Brasil 304.000 imigrantes. No tem­po em que o governo arcava com as passagens, as companhias obtinham bons lucros. Enviaram seus agentes que em 1890 aliciaram 107.100 imigrantes e no ano seguinte 188.816. Os números são de espantar. Aflora a seguinte pergunta: as coisas continuarão nesse pé? Como sair-se-ão os imigrantes? A resposta é obviamente negativa. No ano passado já foram baixadas algu­mas normas, limitando o ingresso de imigrantes.
0 fundamental da questão situa-se no fato de que o governo brasileiro não dispõe de fundos necessários para fixar e manter os imi­grantes.
* ”Os espanhóis constituem excessão. 0 governo preserva cer­tos privilégios: a Companhia Transatlântica Espanhola trans­porta-os por preços mais baixos  e em Buenos Aires eles pa­gam 45 pesos, o que eqüivale a 70 francos em moeda corrente”.

4

Se fizermos as contas, convencer-nos-amos dessa afirmativa: o governo paga  s companhias, referente a passagem a importância de 170 francos, pela permanência nos barracos (às vezes dura meses), pelo trans­porte ate as colônias, pelas despesas de administração, pela medição de terra, pelas ferramentas, sementes e alimentação durante um ano a impor­tância de 500 francos aproximadamente* í evidente que isto é válido desde que o imigrante receba o que a lei lhe faculta.
0 imigrante custa aos cofres públicos aproximadamente 700 francas, no decurso do primeiro ano. Se computarmos os 188.816 imigrantes que aportaram ao Brasil em 1891, teremos a soma de 113.289,600 francos. Se ainda considerarmos que a metade dos imigrantes vai para as plantações de café e a outra para as colônias, as despesas serão bem inferiores, por­quanto o governo apenas pagará a passagem e a permanência nos barracos. Neste caso as despesas serão de 70 a 80 mil francos, o que em moeda corrente no Brasil representa 64.000.000 mil réis, tendo-se como base o va­lor de 800 réis por 3 franco.
0 governo brasileiro desejoso de cumprir fielmente a missão, garantir o futuro As famílias que importa necessitaria dispor anualmente a soma de 64.000.000 mil réiç isto com base nos cálculos relativos ao ano de 1591. Estará em condições de fazê-lo?
Vejamos o orçamento para o ano de 1892: Ministerio do Interior 5.029000francos
Ministério da Dustiça................................................................................4.478.000 fr.
Ministério das Relações Exteriores ............................................  1.428.000 fr
Ministério da Marinha.............................................................................14.299.000 fr.
 Ministério da Guerra.......................................................... 29.116.000 fr.
 Ministério da Agricultura, Comércio e Serviços Públicos...........67.172.000 fr.
Ministério da Fazenda............................................................................70.000.000 fr.
TOTAL.....................................................................................................      203.948.000 fr.
Do quadro acima deduz-se de que o governo destina 67.172.000 à Indsutria, serviços Públicos e Agricultura. Certamente a metade dessa importância é destinada à imigração, o que eqüivale a 30 e poucos milhões, o que representa apenas a metade indispensável para cumprir a missão que se propôs para distribuir os imigrantes,  isto, naturalmente, sem falar no roubo praticado pelos funcionários, do que daremos provas ao lei­tor, no malbaratamento por preguiça, na dasordem e no desfteixo. Daqui po­demos deduzir porque os chefes nunca tem dinheiro e como conseqüência o sistema mais dia, menos dia há de ruir. O governo brasileiro é objeto de uma crítica justificada, pois pela imprevidência põe em perigo milhares de pessoas que importou para a perdição e para a morte.
Não é meu propósitoe stimular ou demover a emigração. Não creio que se possa ser tentado a tanto. Estamos as  vésperas de uma grande emigração, pressionada por tantas causas e acusada por forças tão atuantes e poderosas. Para orientar e normalizar essa corrente, são necessárias vá­rios fatores, diretriz, visão clara e milhões de mil réis.
A minha missão é mais modesta, isto sem exagero ou falsa modéstia. Visa apenas dissecar consciensiosamente apenas um aspecto da corren­te desse rio caudaloso que é a emigração. Tem por escopo demarcar o curso desse rio e introduzir um pouco de consciência com o fito de orientar e contribuir para que essas águas que são miliares de patrícios que buscam as terras brasileiras e que o centro de irradiação da vida polonesa possa ser cosntituido.
Cracóvia, 30 de junho de 1892
                                                                                      Antônio  Hempel
5
C A P I T U L O  I
A  PARTIDA
O propósito de reconstituir o quadro vivo e geral do mo­vimento emigratário, analisar suas causas, traçar as condições em se pro­cessou e apresentar a sorte que aguardava o emigrante no Brasil, certa­mente vou pecar com repetições. Pretendo a sorte do emigrante desde sua partida, até sua fixação na terra prometida. Como não desejo alongar meu relatório, ater-me-ei aos aspectos mais importantes desse movimento do qual fui testemunha ocular, em toda sua trajetória.
Os aldeões do Reino obtiveram somas pequenas pela desapro­priação de seus  lotes de terra arenosa.  Não possuiam condições para produzir o suficiente para a manutenção de suas famílias. A explosão de­mográfica aumentou o número de inativos – proletários, campesinos, desa­brigados que demandaram as cidades. Formaram um material excelente para aventuras emigratórias graças à miséria e ao obscurantismo.
As estatísticas, existentes em Varsóvia, evidenciam com dados fidedignos o seguinte
quadro , relativo à Província de Lomza e aos emigrantes que se destinavam ao Brasil:
Sem terra ..........................            45,9%
Citadinos (proletariado obreiro) ..........39,0%
Empregados de castelos....... ................   5,0 %
Pequenos proprietarios ......................... 10,0%
Essas cifras demonstram que só es miseráveis abandovam o país e  aventuravam a sorte.
Desejo mostrar de forma desapaixonada e exata os sentimentos do povo no momento em que começou a emigração para o Brasil. Tratava-se de um verdadeiro transe e encruzilhada de suas vidas. Decidi, para tal fim, vi­sitar as regiões limítrofes. Aqui se discutia nos bares e nos campos. Fervi­lhava do nascer ao por do sol. Para não levantar suspeita e repulsa, vesti-me adequadamente e imiscui-me entre os grupos prestes a emigrar. Qualquer suspeita transtornava-os em túmulos silenciosos.  Peregrinei a esmo, ouvindo coisas que em outras circunstâncias seria  impossível. Relatarei casos, cenas e episódios que presenciei.
Ficará inesquecícel nas províncias  do norte do Reino, o outono de 1890. O nosso povo aldeao, deserdado da sorte, pequenos proprietários, massas operárias, acordou de um longo e pesada sono. Despertou repentina­mente. Moveu-se... começou a raciocinar...a falar...
Esse homem, eternamente faminto, empanturrado de batatas, de cujos lábios até o presente ninguém ouviu uma queixa contra sua desventura, humilhação, mal se podia suspeitar que essa criatura batatófila, pudesse arquitetar em seu cérebro um juizo.

... em tradução... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário