terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pe.Zygmunt Chelmicki no Brasil. Segunda parte.


Emigração e os agentes. Escravidão e emigração. Os nobres pro­pósitos  de Dom Pedro II. As lutas difíceis. A primeira forma de aliciamento.  0 crescimento da emigração. A Lei de 1871 e 1885. 0 decréscimo do numero de escravos. Os bons exemplos. Abolição total da escravidão. A agitação dos fazendeiros. Ou­tra forma de aliciamento. Altos  empresários do aliciamento San­tos e Fioritta. Enermos meios e lucros. A queda  do Império. A economia governamental. Inauditas doações e concessões. A lei emigratória de 28 de março de 1890. Perspectivas para o futuro. Recompensa  pródiga.

Falando sobre a emigração, cada um  independente da vontade, pen­sa  sobre a camarilha (Tłuszcza) de emigrantes que, quais chacais famintos correm pelo país e para lucros pessoais, com promessas mentirosas aliciam os crédulos e desnorteados com promessas falsas e em fim atiram para pasto da maior desgraça. Essse nojento aliciamento, até no Brasil, entre gente decente, apartidaria e especialmente entre os que não estão interessados "à tout prix" com mão de obra européia, obteve  a denominação de "comercio com carne branca" que  em realidade pouco se diferencia do comércio  com os escravos.
0 quanto sei, toda essa maquina supercomplicada de aliciamento de emigrantes não está entre nos suficientemente conhecida. Sabemos que ela existe, porque vemos os seus lastimáveis resultados, mas quem a aciona, de que fonte recebe o sangrento pagamento,  até a minha partida, pelo menos, era uma questão obscura e  em maior parte respaldade em suposições, do que em fatos. Por isso parece que o  aclaramento dessa triste questão, deveria ser de todos os lados interessante e útil.
Infelizmente querendo ser claro, não posso de imediato  penetrar "in médias res", mas  tenho que retroceder e ainda que suscintamente tocar a questão da abolição da escravatura que intimamente está ligada  com a questão emigratoria em geral, enquanto com as agências e agentes das mais variadas formas, em detalhes.
Não resta dúvida que  constituirá uma pagina de ouro na Historia do Brasil o governo do Imperador Dom Pedro II, destronizado no dia 15 de agosto de 1889. Esse monarca animado pelos mais nobres e mais liberais, embora muitas vezes  talvez com  excessivos ideais, temperado: de liberalismo, desejava levar o Brasil para novos rumos. Todo o seu gover­no de  quase  50 anos, caracterizou-se por uma luta com elementos que colo­cavam dique aos seus elevados propósitos. Dentre estes propósitos, o primeiro lugar merece  a abolição da escravatura que  D. Pedro desde 1866, colocou na ordem do dia.
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A historia da luta que este nobre monarca teve que sustentar pela liberdade da pessoa humana, pertence as mais interessantes, mas ao mes­mo tempo tristes paginas dos fautos brasileiros.
Lastimavelmente não posso apresenta-la aqui de forma completa, darei apenas as linhas gerais.
Desde o ano de 1866, os ministérios sucediam-se uns aos outros. Os grandes slogans de liberdade r humaninadede, ressoavam tanto entre os liberais, quanto entre os conservadores. Um projeto de abolição da escra­vatura surgia  outro na ordem do dia, mas quando estava prestes a  se concretizar, geralmente o gabinete, que o apoiava , caia e o novo cobria-o com silêncio surdo a obra dos predecessores, até que forçado pela voz da opinião pública, ele mesmo ingressava em suas pegadas, mas  igualment em pouco tempo era obrigado a partilhar de sua sorte.
Por estas razões ambos os partidos, conservador e liberal, atribuem a si o mérito da abolição da escravidão, ainda que este mérito cabe exclusivamente e somente ao imperador.
0 principal obstáculo da abolição da escravidão,  constituia o aspecto econômico do país.. Temiam que desta forma faltarão braços para o trabalho e as vastas fazendas (plantações de café), vão ser abandona­das e que numa palavra o país será arruinado. Portanto cada governo, juntamente com o projeto abolicionista, pensava  sobre os mais diferentes me­ios de estimular a emigração. Prometiam-se aos emigrantos  os mais varia­dos benefícios, destinavam-se importâncias vultosas para as agências e para os agentes na Europa, para com esta forma atrair multidões de emi­grantes.  Faziam isto os fazendeiros mais abastados por conta própria, prevendo que mais cedo ou mais tarde, poderão faltar os braços pretos pa ra o trabalho.
Era a primeira forma de agentes, pagos diretamente.
De fato, a emigração começou-a aumentar. Vinham especialmente italianos e portugueses.
Para dar uma imagem como tais meios  impulsionaram a emigração, citarei algumas cifras. Desde o ano de 1864 até 1872, especialmente do Rio de Janeiro e Santos, chegaram 88.823 emigrantes, ou seja 9.869 em média anualmente. A partir do momento em que foram postos em pratica os méios acima mencionados, menos de agenciamento, desde 1873 até 1886 o número geral de emigrantes elevou-se, somente pelos portos do Rio e Santos 304.796, ou seja 21.771, em média anual. Segundo as nacionalidades chegaram: 110.891, portgueses, 112.279 italianos, 23.469 aiemães l5684 espanhóis etc.
Da Rússia nesta época chegaram apenas 417 emigrantes. A emigra­ção macissa do Reino da Polônia, cai somente no ano de 1889 e seguintes, já depois da aplicação de outros meios de recrutamento, a cujo respeito falarei adiante.
Entrementes o Imperador não se deu por vencido. No ano de 1870 fervia de modo especial no gabinete.
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No leme do gabinete encontrava-se o lider dos conservadores,  São Vicente e apresentou um novo projeto para a abolição gradativa da escravidão. Infelizmente não conseguiu aprova-lo no parlamento e ele próprio da recuar. Depois de  confabulações constituiu novo ministério no dia 7 de março de 1871,  Visconde do Rio Branco. 0 imperador  realizou, então a primeira viagem para a Euro­pa e a regência foi exercida pela sucessora do trono, Dona Izabel. Em agosto o gabinete começou  a luta na Câmara, quase a faca e depois de longos debates conseguiu aprovar a  lei, por força da qual todas as crianças do Brasil  a partir desta data, 28 de setembro, nascidas de mães negras ficaram declaradas livres.
A primeira mudança  estava feita. A outra  foi concluida em 1885 aprovada no gabinete de Saraiva no dia 6 de maio, outra lei que liber­tava todos os negros, com mais de 60 anos, com a condição que ainda servissem aos seus senhores por mais três anos, mediante um pagamento merecido. As duas leis acima já tornavam os escravos auto-1ibertos e só era questão de tempo. Com de  fato desde 1872, o numero de escravos diminuia a cada ano. Em 1700  eram contados  1.800.000, em 1873 eram 1.584.00 em 1885 -1.050.000 e em 1887 - 743.419.
Desta forma o monarca preparava devagar o país para a grande obra da emencipação que todos os sentimentos do Brasil postulava e as relações próprias do país que tinha pretenções da civilização. Sobre todas as intenções do Imperador Dom Pedro   pendia a espada de Dámocles, a ameaça de pulverização econômica que os fazendeiros apresentavam ainda em maior amplidão. Os mais sérios e aqueles que olhavam mais a fundo sentiam a necessidade da abolição da escravatura e eles  por própria conta tomavam os meios, com a finalidade de substituir os negros por mãos brancas. Isto diz respeito a alguns  fazendeiros  muito ricos de São Paulo. Muitos deles  esforçavam-se por atrair emigrantes  italianos e portugueses.  Para alguns  estes esforços foram tão longe, que antes da libertação, eles o fizeram por conta própria. Fizeram isto  os senadores e ao mesmo tempo os  fazendeiros mais abastados, senhores Correia de Oliveira e Antônio Prado. 0 último foi ministro por duas vezes e agora mora em Paris. Chegou finalmente a hora decisiva.
Substituindo o imperador  em sua terceira viagem a Europa a herdei­ra do Trono, Dona Izabel, deliberou finalmente resolver  o problema  da libertação dos escravos. Depois da queda do Gabinte de Cotegipe, em 10 de março de 1888, a regente convocou  para a direção do Ministério, Correia de Oliveira, que depois de quatro dias de debates na Câmara, no dia 13 de maio deste ano praticamente por unanimidade de votos fez passar a supressão total  da escravatura.
0 passo final foi concretizado.
Não exagero pelo menos se tal mudança não foi excessivamente violenta, se não deveria se esperar algum tempo, ou de forma adequada indenizar os fazendeiros os quais segundo calcula o senhor Santana Nery
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perdiam cerca de 485.225 contos, ou seja um  bilhão 213 milhões de fran­cos. Afinal  o fato foi concretizado e a opinião pública do Brasil intei­ro recebeu-o com entusiasmo inaudito. Em muitas cidades organizaram grandes festas nacionais: exaltavam e aplaudiam o gesto da regente por toda a parte. A lei que aboliu a escravatura, chama-se "Lei áurea".
Quem, porém, conhecia mais de perto e com maior profundidade a situação local sentia que uma tempestada está-se armando ocultamente e lentamente, que inevitavelmente o ráio atingira aqueles que tiveram a coragem de lavar a mancha negra da escravidão no Brasil.
Sobrou maior parte dos fazendeiros que removia céus e terra, para vingar suas perdas, anunciando para os quatro cantos a ruina do país, abandono, por falta de mãos para trabalhar a principal fonte de riqueza, plan­tação de café. Então isto, por assim dizer, para tapar a boca dos que gritavam, na mensagem do imperador, foi deliberado apoiar com força a emigração e com este fim, segundo minha opinião, agarraram-se a um meio dos mais fatais, firmando  contratos com pessoas individuais, ou socie­dades para fornecimento um certo numero de emigrantes da Europa.
Desta forma, já no ocaso de seu império, foram feitos contratos para fornecimento de 750.000 pessoas com os seguintes agentes: Sr. Visconde Figueiredo e Joaquim Caetano Pinto para 250.000, com os senhores Fiorit ta e José dos Santos 250.000, os restantes foram distribuidos entre outro seis, entre 100.000 e 25.000 de emigrantes.
Veremos agora como se apresentava o aspecto financeiro destes senhores.
Por  emigrante fornecido, o tesouro obrigava-se  a pagar aos que possuiam contrato  168 francos (segundo outra versão 75 milreis,  em ou­ro, o que seria ainda mais). Uma vez que disto a companhia transportado­ra ,  levava 125 francos, porisso fica no bolso do empresário a quantia 43 francos.
Compreenderemos  agora quão enormes fortunas (fundos)  possuiam Fioritta e Santos para espalhar a rede  na pescaria de nossos pobres coitados. Esses fundos significavam nem mais, nem menos do que 43 x 250.000 = 10.750.000 francos. Se  é verdade que estes senhores pagavam a cada agen­te  ocupado no recrutamento, mediante  convenicmento direto, a importam cia de 5 reis, ou seja 16 francos por cabeça cabalada de emigrante, ou seja por fornecimento da cifra completa 6.750.000 limpos.
0 mesmo lucro sorri aos senhores Figueiredo e Caetano, bem como ao grupo de seis menores empresários, ou seja com outras palavras, todos ele juntos dispõe para fins de agitação a importância de 32.250.000 francos e tem a esperança de um eventual lucro de 20.250.000.
Eis aí o preço deste comêrcio vergonhosa com "carne branca".
Menciono aqui que a cifra total de emigrantes contratados desta forma, ainda não foi fornecida e que estes senhores continuam a e con­tinuarão sua profissão lucrativa e verdadeiramente sangrenta na Europa.
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Trata-se de uma segunda forma de recrutamento. Repito que os contratos acima foram firmados em 1889.
Abstenho-me de observações mais amplas, creio que bastara apenas a forma de entrega aos empresários, que antes de tudo só podem ter em mente o próprio lucro, a sorte de 750.000 pessoas, para com toda repulsa condenar  semelhanto meio e compreender todo o lado pavoroso desta maqui­na aliciadora.
Se o governo imperial julgava que o passo tão digno de condena­ção, conseguem prescrever a tempestada que pairava sobre eles, logo os fatos deveriam convence-lo como eram fugazes  seus cálculos.
Os  irreconci1iáveis fazendeiros, apesar de pertencer ao partido conservador, deram as mãos aos republicanos. Em grande parte, graças a esta aliança, totalmente imprevista, no dia 15 de novembro de 1889, con­cretizou-se  o golpe de estado. 0 império caiu e em seu lugar foi procla­mada a República com governo provisório a cuja frente apareceu o General Deodoro da Fonseca.
De fato, nunca na historia, uma república nasceu de forma mais esquesita. Foi preparada em parte pela vingança e desforra  pelo maior ato de humanidade, como terei oportunidade de demonstrar no próximo ca­pitulo, mas que causou o golpe. Recuar no ato da abolição da escravatura tornou-se impossível, seria suicídio teórico e em seguida certamente concreto da República. Sobrou apenas um caminho, ampliação o quanto possivel dos privilégios da emigração e despertar aesperança de uma emigração macisa que segundo o julgamento de todos os brasileiros e a base do desenvol­vimento, progresso e futuro do pais.
Seis meses de economia republicana, durantos os chamados governos provisórios,  será uma das paginas mais caricaturais da história do mundo; disto  escreverei mais amplamente quando tratar da situação política; aqui basta apenas mencionar que nenhum brasileiro fala a respeito daquela fase transitória sem grave revolta.
Em tais condições e numa tal atmosfera, surgiu a nova lei  sobre emigração, aprovada pelo titular do governo provisório, gal . Deodoro da Fonseca aprovada no dia 28 de junho de 1890. Traz no bojo todas as características de  largo crescimento da emigração, na realidade abre as por­tas escancaradamente para toda sorte de especulação e, como veremos, um controle real  sobre a maquina emigratória torna-se impossível.
Este documento  sinto-me forçado em resumir, pelo fato de ele constituir toda a base do movimento emigratório e ao mesmo tempo mostra os seus lados fracos. 0 quanto sei  os que escrevem sobre a  emigração entre nós,  silenciaram totalmente a respeito deste decreto e, entretanto o seu conhecimento, segundo meu ponto de vista, e indispensável, para saber: quem  e porque deve ser colocado debaixo da chibata da opinião pública. Afinal, grande parte dos abusos e injustiças, causadas aos nosso emigrantes, tem origem  em  sua ma execução ou fraqueza.
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Na introdução o general Manoel Deodoro da Fonseca, como  chefe do go­verno, anuncia  que em vista da necessidade da vinda de trabalhadores estrangeiros para o Brasil, julga  indispensáveis estabelecer e fixar em leis definidas. Espera conseguir este objetivo pelo menciona­do decreto, cujos pontos principais são os seguintes: Só pode ser aceito no Brasil o emigrante com saúde, capaz para o trabalho e que não seja atingido por uma sentença condenatoria. As companhias transportadoras que desembarcarem emigrantes inadequados estarão sujeitas a multas em dinheiro.
Para o transporte  gratuito ou por preços menores tem direito:
a) Familias camponesas   com filhos e pais, que não sejam acima de 50 anos;
b) solteiros entre 18 e 50 anos;
c) artífices, empregados, etc que  satisfaçam as condições acima prescritas.
0 governo está disposto a  pagar  as companhias de transporte, como prêmio, 120 francos por  pessoa adulta, desembarcada em terra firme, desde que satisfaça as condições estipuladas pelo decreto e desde que se obriguem a não cobrar dos emigrantes, um pagamento superior a 120 francos, o restan­te da passagem. Todas as questões  emigratorias serão derimidas por uma co­missão especial de inspecção da  colonização. Para esta inspecção devem-se apresentar tanto os proprietários particulares, como as companhias colonizadoras, indicando a quantidade de emigrantes que necessitam. Diante da Inspeção deve ser firmado contrato com o emigrante, sobre cuja fiel exe­cução  ela será guardiã.
Durante os primeiros seis meses os emigrantes tem direito de de exigir mudança de local, inicialmente escolhido. Os proprietários ou companhias que não cumprirem as condições do contrato, podem ser forçados ao cumprimento por via legal. Cada companhia ou agência, que introduzir no Brasil 10.000 emigrantes, receberá 100.000 francos como prêmio em caso de não ter contra si  levantada nenhuma reclamação.
Para o retorbo ao país, por conta do governo, tem direito:
1) as viuvas e órfãos, que perderam o marido ou pai, no decurso de um ano a partir da data da vinda ao Brasil;
2) os emigrantes que por motivos alheios a eles tornaram-se  in­capazes para o trabalho, igualmente duranto o primeiro ano de sua  permanência. Ambas estas categorias tem ainda o direi­to de  receber do governo, como indenização, entre 50 - 150 milreis. Os colonos  recebem propriedade  com casa, pagando 25 milreis por hectare, se a terra não for cultivada e 50 se já tiver alguma cultura. A importância devida pelo terreno, deve ser paga no decurso de 10 anos, cor juros  de 9% ao ano. Em caso de não pagar a parcela, no decurso de dois anos,  são obrigados a abandonar o lote, retornando ao proprietário  ou a companhia. As colônias devem situar-se nunca além de 13.000 metros da artéria de comunicação e abrigar grupos de pelo menos 10 famílias.
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O decreto reconhece aos  proprietários e as  companhias colonizadoras valiosos prêmios, distribuindo-os em três categorias, como segue:
a) 0 colonizador de pelo menos 30 famílias receberá 200 milreis por família e mais 250 por casa da família;
b) 0 colonizador de pelo menos 200 famílias, além dos pagamentos acima, recebe ainda 1.5000 mil reis por quilômetro de estrada de comuni­cação;
c) o colonizador de mais de 500 famílias, além das duas vantagens supra, recebe ainda 800 milreis por quilômetro de estrada interiorana. Finalmente cada concessionário, que faz colonização em terras que lhe fo­ram cedidas de pelo menos 100 famílias, recebe um prêmio de 5.000 mil reis. eixo de mencionar as concessões para construção de estradas de ferro, com a garantia de ganho de 6%, etc.
Extrai do decreto os pontos fundamentais, dando a  imagem,  como em teoria o governo brasileiro concebe e põe em execussão as condições da emigração.. É suficiente, afinal ler as determinações, para chegar á conclusão, quão falsas as noticias e promessas  espalhadas pelos agentes sobre a terra distribuida graciosamente, sobre as diferentes vantagens, que aguardam os que chegam ao Brasil.
Vejamos como essa lei aparece na pratica, na realidade. Se o governo nos tempos do Império podia, quando queria, bem ou mal um controle, sobre a atividade dos agentes por ele pagos (primeira forma), os contratados em 1889, empresários Santos, Fioritta e outros, igualmente podiam, em dado momento, ser  controlados em sua atuação de recrutamento, eis que a atual, a terceira forma da maquina agenciadora, fo­ge de qualquer observação. Quem, portanto, enviara agentes nestas condi­ções?
1) As companhias de transporte a quem "a tout prix" interessa reunir 10.000 de material  vivo pelo qual recebem não somente 120. francos per capita, mas igualmente um prêmio de 100.000 milreis.  Estas não temem aliciar por todos os cantos e  por todos os meios;
2) Sociedades ou pessoas,  presenteadas  com terra e de posse das concessões, para  atrair e trazer uma cifra determinada de famílias. Esta categoria de recrutamento subdivide-se em duas categorias:
a) Tais que possuem um  negócio de ouro nas mãos, vão querer  retirar dele  lucros permanentes, e porisso vão colonizar racionalmente, garan­tindo aos colonos uma sorte suportável;
b) especuladores e "afairs" que somente vão se interessar somente pe­lo passageiro e artificial extração da ação no câmbio, para obter um lucro rápido, sem se interessar pela sorte dos colonos.
Não quero prejulgar qual das categorias  tomará dianteira. Em verdade tive oportunidade de  encontrar-me com  os  representantes de duas sociedades grandes no Paraná e Minas Gerais que  estão imbuidos  de bons e serias intenções.  Não tenho direito de duvidar que  vão as abandonar.

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CAPÍTULO  IX                           
VIAGEM DE CURITIBA A RIO NEGRO. PERMANÊNCIA CALAMITOSA EM LUCENA. DIA DE REIS.  SOLENES OFÍCIOS RELIGIOSOS PE. IWANOW. FUNDAÇÃO DA SOCIEDADE KOSCIUSZKO. PARTIDA PARA RIO NEGRO. CARLOS LADISLAU KAMINSKI. LIMITES ENTRE PARANÁ. MOVIMENTO COMERCIAL. NA RESIDÊNCIA DE FRANCISCO KAMINSKI. SÃO BEN TO e RIO VERMELHO EM JOIVILLE. RUMO A DESTÉRRO. GOVERNADOR HERCÍLIO LUZ. LAGUNA –TUBARÃO - PE. CHYLINSKI.. DE TREM PARA PEDRAS GRANDES. A PÉ PARA CRISCIÚMA E COCAL (Colônias).
Durante os três meses de minha permanência no Paraná, somente pude visitar as colônias mais distantes, Curitiba e alguns agrupamentos nos seus arredores. Fui obrigado a deixar para outras oportunidades a visi­ta aos grandes núcleos nas proximidades de Curitiba e Ponta - Grossa.
Decidi partir para as povoações polonesas menos conhecidas pouco descritas
. . .para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, quase ignoradas pela expedição de “Siemieradzki, Hempel e Lazniewski”, realizada em l891. Além disso, um outro motivo levou-me para tomar a decisão: visitar Foz do Iguaçu... A deliberação foi uma conseqüência dos diálogos que mantive com Saporski, a respeito da colonização polonesa no Paraná. A Foz representa um fator importante para o comércio e para a colonização. È o melhor meio de comunicação com o mar através dos Rios La Plata e Paraná. Tive que fazer uma volta de algumas milhas para realizar um percurso de 500 quilô­metros (sic) a partir de Rio Claro, rumo Oeste. Neste caso a linha reta não é o caminho mais curto, pois seria necessário atravessar algumas cente­nas de quilômetros  de florestas, morros, ou então seguir pelo leito do Iguaçu, totalmente desconhecido, mas tudo indica que é tortuoso, com quedas e cachoeiras. Semelhante percurso por terra firme duraria no mínimo três meses, deveria compor-se de algumas pessoas, boa provisão de alimentos, bem como também outros acessórios.
A noite que preceüeu minha partida, passei alegremente em companhia de amigos na Redação da "Polônia", entre eles Inácio Waberski e Antônio Bodziak.
No dia seguinte despedi-me de um punhado de amigos na Estação ferro- viária, onde estava Saporski. Parti de trem em lo de janeiro de l896, rumo a Rio Negro.
Cheguei a hospitaleira residência do Pe. Peters, onde travei conhe­cimento com o Pe. Estanislau Ossowski, um sacerdote jovem e inteligente.
Ao chegar ao Paraná, tinha dúvidas quanto ao local, onde deveria fixar residência: Água Amarela, onde reina miséria e confusão ou numa das colônias mais velhas, onde há um bem estar relativo. O Padre aproveitou a oportunidade para viajar comigo pelas colônias polonesas catarinenses de Rio Vermelho...
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Manteve correspondência com o Bispo de Curitiba, a fim de poder celetar naquela região,  bem como para se estabelecer.
    Antes de empreender esssa viagem, tive a sorte de voltar pela segunda vez a Lucena, distante apenas 4O quilômetros de Rio Negro. Nessa gran­de povoação, encontrei-me sob a proteção do Sr. Wengrzynowski, dono de uma venda. Visitamos as colônias a cavalo, durante um dia inteiro... Mesmo assim  não pude visitar todas . Dirigi-me a mais nova de todas e a mais afastada – Moema. Vimo-nos tontos de tantos cumpri­mentos e brindes que os colonos nos  ofereciam.
Aqui acham-se mesclados os galicianos com os homens do Reino... Existe predominância dos primeiros. Não é fácil distingui-los dos ucranianos, pois tanto na linguagem, quanto na aparência e nos trajes em nada se diferenciam. Impressionou-me o profundo sentimento patriótico de al­guns, certamente sinceros, pois foram confessados em estado de embriaguez e com lágrimas nos olhos.
Fui saudado como emissário da Polônia. Beijavam-me, abraçavam, queixavam-se  da perseguição política e religiosa em nossa terra natal. Perguntavam, quando  viria a reação para expulsar os invasores e se não havia o movimento semelhante ao de l863.
Tomava uns aperitivos dos quais não possuo noção exata de que se tratava...era, alguma coisa semelhante a mel preto e velho. Visitei alguns conhecidos meus da viagem marítima, entre eles  Skowronek da Galícia Oriental. Organizou uma venda nos confins da civilização, próxima à região habitada por botocudos. Não lhe pedi de volta o livro que lhe emprestei intitulado "A Luta centenária da Nação Polonesa pela Independência", que ainda não terminou de ler. Prometi que meses depois retornaria para busca-lo. Infelizmente esta foi a última vez que o vi. Neste mesmo ano foi horrivelmente trucidado pelos índios. Foi uma grande perda para a colônia. Falava fluentemente o polonês e o ucraniano, gozando de simpatia por parte de ambos os agrupamentos, da mesma forma como entre os elementos que viviam dessa forma por força de circunstancias. Ele era uma alma polonesa de grande fervor.
Passamos pela localidade, onde em 1892 foi trucidada a família Przybylski pelos selvagens.
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Ê  uma região desbastada de matas, onde aparecem outeiros, cobertos de cepos, restos das florestas terras derrubadas inteiramente virgens. A causa dos massacres foi conseqüência da fixação dos colonos em terras onde nenhum branco havia perturbado  a solidão dos indígenas. As famílias Przybylski e Skowronek foram designadas para se estabelecerem em cemitério botocudo, o que constituía grande desrespeito e ofensa.  Trata-se de uma luta entre a "Civilização" e a "Barbárie".
As relações entre eles são na base do porrete de um lado e bala e facão do outro. Os brasileiros mostram-se os mais fanáticos. Dizimavam-nos sem misericórdia e faziam incursões sem cessar, geralmente como represália. São especialistas no massacre: atacam a noite e trucidam todos, sem compai­xão. Pintam-se horrivelmente, pois os selvagens possuem extraordinária faci­lidade para guardar as fisionomias durante anos. Quando reconhecem, vingam a morte. 0 pior em tudo isso é que a luta aqui toma dimensões de sobrevivência... e não há distinção entre culpados e inocentes. Os colonos não podem ser culpados, pois  os massacres são feitos pelos brasileiros, que posteriormei te povoam com imigrantes as terras arrebatadas aos indígenas. Isso até em cemitérios botocudos.
0 ideal seria descobrir  sacerdotes, salesianos por exemplo, para  que se estabelecessem em Lucena..  Fariam verdadeiros milagres com os nativos... seriam os primeiros a lhes falar uma linguagem humana e com o tempo conquistariam sua simpatia e os converteriam à fé cristã.
Os homens mais pacíficos tornam-se selvagens quando são perseguidos com tamanha violência pelos botocudos. As boas relações com os moradores po­loneses talvez trariam resultados positivos para a colonização polonesa. Um convento salesiano em Lucena teria um significado altamente civilizador.
Em verdade, valeria a pena fazer gestões nesse sentido, a fim de concretizar a idéia. Lucena é um campo excelente para a atividade missio­nária polonesa, a única no  Paraná,  melhor do que São Mateus.
No instante em que percorria os caminhos de Moema, não havia indícios da iminência de um ataque dos Botocudos. Garantiram-me, que  tudo indica vão cessar das incursões, porque os selvagens afastaram-se em definitivo para o interior e  esqueram os reveses. Infelizmente, a espe­rança foi  ilusória. Os  Botocudos não esqueceram os sofrimentos vividos. Não vamos adiantar  os acontecimentos
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No dia seguinte visitei uma escola, fundada em terras dos botocudos. Era dirigida pelo Sr. Paulo Wielewski, proveniente  da Prússia Ocidental. É professor  do governo e como tal leciona em português.Verifiquei que to­das as crianças indistintamente falavam fluentemente o português, o polonês e o alemão... Em Lucena existiam alguns alemães, que detinham em suas mãos  o comércio e a indústria. Neste campo são quase exclusivos. Não pude saber qual das linguas prevalece, pois as crianças de diferentes nacionalidades entendem-se perfeitamente. Afiançavam-me que isto era uma verdadeira Babel. Tenho cer­teza de que as crianças brasileiras aprendem o polonês com facilidade. Para saber dos sentimentos que  o mestre nutria, é suficiente reproduzir o se­guinte diálogo:
- Olhe  esse amalucado....ele deseja fundar aqui uma Polônia -"ein Polenreich" - 0 Sr. tem razão, o professor não esperou por responder, penso nisto e não escondo: Aqui será Polônia (Tu bedzie Polska)."
Finalmente fui visitar o Pe. Iwanow. Oficia solenemente a Festa de Reis Magos. Uma multidão reunia-se dentro e fora da igreja. Foi a primeira vez que participei das cerimonias do "Jordão".
O vigário em procissão, acompanhado do coral, dirigiu-se a uma bai­xada distante, onde corre um riacho encoberto pela vegetação. Era seguido de uma massa humana, cantando com o córo. Era impressionante ouvir cânticos, ver a multidão humana em prece - era uma solenidade significativa. A natureza fantástica dos trópicos, no mês de janeiro, emoldurava a cerimônia.
Retornando à  igreja, fez o sermão, oficiou e depois apresentou-me ao povo  como delegado da Sociedade Comercial e Geográfica de Lwow e recomendou que aproveitassem a minha permanência a fim de tomarem conhecimento dos trabalhos da entidade que se ocupa carinhosamente com os emigran­tes no exílio, e fomenta a união, a disseminação da cultura e o estreitamento das relações com a Pátria distante. Envida esforços para que tenham livros, bibliotecas, sociedades, propriedades, casas comerciais, etc. O Pe. Iwanow concluiria palestra conclamando-me para que explicasse os motivos que levaram a Sociedade para me enviar  e para que fundasse a Sociedade em Lucena.
Falei em seguida, afirmando que a Pátria lembra-se dos emigrantes, deseja ajudá-los, enviando livros, mantendo relações culturais, estimulando
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a fundação de sociedades  e ajudando-os a conquistarem melhores posições.
Afirmei que vai muita bondade no pronunciamento do Pe Vigário, quando pediu que fundassse a sociedade. Ninguém outro pode ser o fundador senão  ele próprio. Conclamei-o  para que aceitassse a presidência da en­tidade que se fundava...surgiu uma discussão...por sugestão do padre ela deveria levar o nome de Tadeusz Kosciuszko, uma espécie de filial da existente em Curitiba.... como membros foram escolhidos os senhores: Wengrzynowski, Paulo Wielewski e Kubiak ( proprietário de uma venda). A Sociedade estava fundada.
Retornando a Rio Negro, parti com o Pe. Ossowski em direção a Santa Catarina.Levamos um dia para atingir a localidade de Rio Preto. Aqui existe uma agência postal. Aqui se detém os  viajantes para o pernoite. Carlos Ladislau Kaminski é a principal personalidade local....e praticamente o dono de Rio Preto, situado as margens do rio do mesmo nome.
É proprietário de uma grande venda -considerável estabelecimento comercial,bem como de uma serraria e grandes propriedades de terra nos arre­dores: a vista é magnífica, junto ao rio que corre majestoso e ruidoso, ladeado por outeiros descalvados em parte  ou cobertos de árvores e araucárias.
Rio Preto faz divisa entre o Paraná e Santa Catarina. Trata-se de limites em litígio. Ambos os estados pretendem fixar a faixa limítrofe a  seu favor. 0 comércio de Lucena e Rio Negro demanda Joinville e não Curitiba, fato este que os catarinense aproveitam para as uas pretenções… Adiante vou-me estender sobre o comêrcio.
0 sr. Ladislau é lituano, casado com uma sueca, mas possue sentimen­tos profundamente poloneses. 0 meio ambiente  é quase exclusivamente alemão... não mantém  nenhum contado com poloneses mais esclarecidos... não existem nas proximidades de Rio Preto. Apesar disto o proprietário nutre sentimentos, quase de paneslavismo, contra os alemães. Hospedamo-nos ali e partimos no dia seguinte.
Viajei ornamentado de armas, enfeites arrebatados aos Botocudos, em expedições realizadas pelo senhor Carlos. Ao meio dia chegamos a Lençol, onde reside o sr. Francisco Kaminski, irmão do Carlos e estabelecido com uma venda.
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Trata-se de um comerciante nobre e abastado. Com ela fazem prá­ticas comerciais outros poloneses... conheci alguns destaque passsaram por esta escola prática e todos são bons comerciantes e afirmam que seu sucesso deve-se ao sr. Francisco.
Deve ser uma boa escola  comercial. 0 sr. Francisco é casado com uma alemã e seu lar  é inteiramente germânico.
Lençol é uma  área alemã, habitada por colonos abastados, estabele­cidos há 50 anos. A prosperidade transparece a cada passo... depois de algumas horas de agradável companhia, prosseguimos a viagem.
Pelo caminho juntou-se a nós um emissário  da colônia polonesa de Rio Vermelho, com o fim de receber o Pe. Ossowski e convida-lo para ficar com eles.
Trata-se do proprietário Paulo Chabanski, que se dedicou a sua missão com grande fervor, decidiu ir até Curitiba e não se separar dele até conseguir cumprir a missão e levar o sacerdote para Rio Vermelho.
Desencontramo-nos. Soube em Rio Negro que estávamos em Rio Preto, partiu para nos alcançar. Um soldado prussiano narrou-nos as aventuras com os brasileiros e suas afirmativas em relação ao exército brasileiro não eram das mais elo­giosas. Disse que os habitantes de Rio Vermelho estão esperando 15 anos por um sacerdote, que conheça sua língua. Em verdade, recebem visita de um sacerdote alemão de Joinville. Fala-lhes em alemão, que todos comprendem, pois são oriundos da Prússia Oriental. Isso não significa a mesma coisa que falar em polonês. Garante que todos desejam um sacerdote polonês e que ficará muito bem entre eles. Asseverava que isto de certa forma será um triumfo sobre os alemães, que desde muitos anos estão fazendo gestões para trazer um sacerdote alemão, mas até o presente em vão.
Depois de passar Oxford, chegamos a uma cidade inteiramente alemã, São Bento, que até pouco tempo era a sede administrativa da Grande colonia do mesmo nome. Tornou-se município e o núcleo administrativo, sua capital tem aspeto de uma aldeia alemã,  melhorada.
Despedimos o carroceiro alemão contratado para nos levar até São Bento. Não pudemos conseguir nenhum meio de locomoção até Rio Vermelho.
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Somente alguns quilômetros depois da cidade conseguimos montaria do colono Kujawski. Chegamos a Rio Vermelho, pelas 9 horas da noite.
Alcançamos a venda do senhor Narloch, oriundo da Prússia Ocidental -de Kaszuby - o que se deduz de seu sotaque e pelo que dizem os outros que se encontram no negócio. Não viemos desapercebidos, pois estavam ali para nos dar as boas vindas.
0 pai do sr. Paulo Wielewski, que antes foi professor em RioVerme, assinava o "Przeglad Emigracy jny", soube alguma coisa a meu respeito e me recebeu mui cordialmente. Tecia elogios a revista e suas tendências... a palestra transcorria alegre. Todos estavam satisfeitos com a vinda do sacerdote, pois se concretizou uma aspiração de 15 anos. Foi-nos preparado um pouso na canônica que estava um tanto abandonada e despreparada para nos receber.
Passamos a noite em relativa calma. Um tresloucado, conhecido em toda a colônia, veio a cavalo, cantando à moda selvagem em português e ale­mão. 0 galopar do animava e dava impressão de que havia ali uma tropa, princi­palmente para quem havia despertado do sono.
Revólver em punho, pronto para adentrar o nosso quarto, queria arrombar a porta. Nada aconteceu. O louco desceu do cavalo, amarrou-o e cantava,contemplando a lua... montou...a canção e o galopar sumiram aos poucos.
O sacerdote era cumprimentado entusiasticamente pelos colonos. Es­tavam indiferentes a minha presença, como delegado da Polônia. Sabiam que o sacerdote lhes foi enviado pela Sociedade Comercial e Geográfica, ou por um grupo de pessoas que se interessavam com a imigração.
Choraram copiosamente ao ouvirem o sermão em polonês, depois de 15 anos. Fiquei comovido. Suas disposições eram tais que o sacerdote poderia fazer com eles o que bem entendesse... sua influência era visível. Por isso trabaliei a consciência do sacerdote, estimulando-o a fundar escolas, sociedades, bibliotecas, corais de igreja e leigos, associações, clubes agríco­las, etc.
Os próprios colonos mostravam desejo de se organizarem melhor culturalmente, com vistas ao progresso.Os alemães que ali moravam, tinham sim­patias por nossa gente, principalmente o Sr. Brunnquell, proprietário de do moinnho em Rio Vermelho.

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Em descrições  posteriores teremos conhecimento se o Pe.Ossowski realizou as esperanças nele depositadas,desde os primeiros instantes.
Rio Vermelho integra a grande colônia São Bento. Esta foi funda­da pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo, há 40 anos, em território paranaense. As terras foram obtidas gratuitamente do Príncipe Joinville, da casa imperial brasileira, em 1849. Fundou o povoado "Dona Francisca", com a capital, Joinville, localizada no litoral, e estendendo-se até a Serra do Mar. Dali idealizaram organizar uma grande colônia para além da Serra, no Planalto, onde o clima é mais ameno. A terra na época era bem mais barata do que  atualmente e os  limites das províncias,hoje estados, não eram rigorosamente respeitados. As provinciais eram administradas do Rio de Janeiro e só com o advento da República tornaram-se estados, da­ta em que começaram a cuidar mais de cada pedaço de terra sob sua juris­dição. Por isso a posse de terras, não pertinentes a ninguém, ou mais preci­samente do governo, não chamavam a atenção de quem quer que fosse. A quem poderia interessar se a terra do Príncipe Joinville possuía 20 ou 50 mi­lhas quadradas, ou se estar localizadas na Provincia de Santa Catarina ou Paraná? Deve-se ter em mente que o Paraná constituída parte da Provincia de São Paulo, que por seu turno tinha uma grande extensão de terra, e pou­co lhe interessava uma bagatela de algumas centenas de quilômetros quadra-dos. Atualmente o estado de Santa Catarina, que outrora era apenas uma parcela localizada entre a orla marítima e a Serra do Mar, extendeu-se além destas, pela fundação da Colônia São Bento e absorveu gran­de parte de outras terras. Agora nutre pretensões para incorporar uma grande parte do Estado do Paraná, em direção ao Oeste,até os limites com a Argentina.
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Prussianos orientais e    galicianos povoaram metade da colônia Sao Bento »0 núcleo polonês  é constituído  por Rio Vermelho»  Em breve transformar-se-a  em cidade. Dali partem as mais  importantes e ex­tensas linhas   da    colônia  S.  Bento...  todas polonesas ou com predomínio dos nossos.   Entre elas destaca-se a linlja Humboldt,  totalmente  polonesa e  entende-se por algumas milhas... os prussianos estabeleceram-se ao lon­go de um dos mais curiosos caminhos do mundo, em vista dos difeientes climas que  atravessa.
Inicia em Rio Vermelho,   onde o clima  e  relativamente suave e termina  no sopé da   serra,   onde reina uma  temperatura elevada. As culturas principiam como em algum lugar europeu, onde existem campos de centeio, trigo, ervilhas, batatas, cevada  etc, com vegetação de erva-mate,   exemplares de  pinheiros que conseguiram salvar-se do machado. Na  região tropical    que o caminho envereda, encontramos laranjas, limões, limas, em quantidade,  bem como banas,   figos,  café,  algodão e outros frutos que medram em climas quentes,  tais como batata  doce, cará,  inhame..
Uma  estrada  tgo curiosa,   que  perpasse  por regiões tão diversas no  setor climático,   somente existe na Bolívia, que  começa nas mon­tanhas com clima   frio e  finda  na   região tropical.
0  setor de São Bento,  em 1882,   contava  com 4.000 habi­tantes,  dos quais a metade era constituída  por poloneses e a outra por alemães.  Estes localizavam-se  na  área    norte,   as margens do Rio Negro, onde  residiam 1.800 brasileiros.
Depois de  seis dias prosseguimos. 0 Pe.  Ossowski dirigiu-se ate Joinville,  a fim de entrevistar-se e manter conversações com o seu vigário Pe Börgershause. Durante o dia inteiro viajamos pelos povoados de Campo Novo, eté  encontrar a localidade de Encruzilhada,   situada no topo    da  Serra do Mar.
Ali somente existem dois hotéis.    Vimo-nos forçados a pernoitar... no Brasil não se viaja a noite... excepcionalmente poderia ser realizada uma viagem, pois o caminho e bom, construído com esmero e bem conservado.
Partimos pela madrugada  em direção a uma   zona montanhosa,
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onde apreciei paisagens encantadoras. Ultrapassamos o "castelo dos bugres" - uma    estranha  cadeia de  serras,   semelhando um castelo em ruínas e o caminho principiou á descer a  Serra do Mar,   serpenteando e contornando o declive.Os nossos olhos deleitavam-se  com panoramas espetaculares,   embora não  possa ser   comparados a maravilhosa  estrada entre Curitiba  e Paranaguá.
            Durante a viagem  sentimos a mudança  de    clima,   quer em nosso organismo,   quer na natureza,   principalmente  pelo sopro do vento. A vegetação tornava-se mais viçosa,  mate pujante,  mais fantástica,  0 numero de insetos aumentou,   principalmente legiões de cigarras,   cujo zumbido consti­tuía-se em musica  que nos  acompanhava. Adentramos uma   campina,   amplamente povoada,  dando-nos a  impressão de que  estávamos na  Europa Central ou Oriental. Em pleno calor    do meio-dia     chegamos a Joinville, a ex-capital  e  atualmente centro do  setor de Dona  Francisca, e  cidade  inteiramente  alemmã.  Fundada e  colonizada em  toda  a  planície  pelos alemães,  através da  Sociedade Colonizadora Hamburguesa,   desde l849.   Somente nos últimos tempos apareceram os brasileiros.  No momento em que me encontra­va no Brasil,   estava  em    organização uma   sociedade de amparo à língua  portuguesa.  Não    existem colonos poloneses, há  alguns    espalhados,   que não se po­de levar em conta.
Conheci o  pe.  católico Börgershausen.   Era um sacerdote de Hanover,   gentil e  esclarecido.  Não    tinha nenhuma  prevenção contra  os poloneses. Elogia-os,   como paroquianos e  lastimava-se    pelo  fato de    não sa­ber a  língua  eslava. Alegrou-se com a vinda  do Pe.   Ossowski.   Entenderam-se perfeitamente no que  respeita à  atividade pastoral    e o    ajudante  foi designado  para tomar conta das ovelhas de Rio Vermelho.  Nas proximidades da igre­ja  encontrava-se uma loja maçônica .
Durante  os cinco dias de minha  presença  em Joinville tive  oportunidade de  conhecer as personalidades alemãs    e  familiarizei-me com a   situação local.   Em outra   parte    detalharei o tema.
Editam-se nesta  cidade    dois jornais,  um conservador e  satisfeito com o  “Status quo ...”   representativo dos homens abastados. Cha-ma-se “Kolonie Zeitung”,   circula há 30 anos.   Seu redator e um tal  sr,  Böhm nascido em Joinville e quase não sabe  falar o português.     Desde alguns anos
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edita-se um outro  jornal que  perturba  a vida  do primeiro,   junto a opinião
publica. È o "Joinvillenser Zeitung", cujos  proprietários sao os senhores Schwartz  (húngaro) e Lauffer... È órgão que defende os interesses dos colonos e  apresenta    uma discordância total em relação a atual situação.   Aborda  temas"delicados" e  como dizem   os  matadory11   (...)fazem-no"sem tato" e "com mau gosto". Aponta todas as mazelas administrativas e em particular a  exploração a  que  são expostos os colonos pelas grandes firmas comerciais. Os negociantes,   como em toda a  parte,   procuram ganhar em dobro na  compra e colocação da mercadoria.  Pagam os produtos adquiridos com mercadorias e o colono jamais vê a  cor do    dinheiro.
Finalmente o meu navio aportou.  Era o dia  5 de  janei­ro de 1896,  quando adentrou    a baía de São Francisco,   situada a  poucas horas de víagem de Joinville.   Para    não atrasar tivemos que  sair na vespera,   logo apôs o meio-dia.  Navegamos pelo leito do  pequeno rio Cachoeira,  que leva  até o mar.  Somente a noite atingimos a meta, num ambiente chuvoso e de escuridão. A procura de hotel não  fez parte dos momentos agradáveis...  um gaia to carregou os meus pertences.   Deliberou apropriar-se dos mesmo e tentou a  fuga.  Corri ao  seu encalço, amassando o barro e    pisando na  lama  e na água até  os tornozelos.    A  chuva  que desabava, parecia  uma  tromba de água e  a  corrida  pelos becos e  ruas tortuosas parecia  não ter mais fim... Arranca­va  as derradeiras energias,   para não perder de vista  o malandro numa noite dessas,  em situação tão complexa,  numa  cidade desconhecida e temente perder as minhas coisas.  Cheguei ao hotel molhado até o último  fio.
0 hotel tinha uma  conservação modelar,  mantido por uma    viúva.   Tive  oportunidade de observar os diferentes tipos brasileiros e hóspedes que   percorriam o Brasil.  Havia uma multidão para embarcar,  em de-manda de vários lugares. 0 meu navio atrasou dois dias.  Diante de meus olhos passaram varios tipos,   principalmente políticos exaltados. A  politicagem na Ame­rica Latina é pior do que na  Galícia. Os temas das conversações versam sobre política, ou    erotismo grosseiro.  Numa  e noutra  primam os mulatos.  Os habi­tantes distinguem-se  por uma  grande esperteza,   bem como por pervesidade,   preguiça,  arrogância e  loquacidade.
Os mulatos no Brasil  são descendentes de  ricos pro­prietários das plantações de  café e de  suas escravas-negros.  Os  seus "pais"
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custeavam sua educação e colocavam-nos am cargos públicos,  bem remunerados. Eis a  razão de  seu partidarismo ferrenho  do governo, ao mesmo tempo grandes adversários  dos Federalistas,  que  surgiram, há  alguns anos.  Ouvi a  granel insultos e    ameaças. Veio um grupo de malabaristas japoneses,  que  ja tive oportunidade de aplaudir em Curitiba. Divertiram-se à mesa  com brincadeiras infan­tis, pelo menos em nada atraentes para  os demais  convivas presentes...fingiam cantos de galo,  latiam, miavam,  etc...
A  cidade em si é  pobre,   talvez 1.000 habitantes existam ali,  sendo que a maioria  são brasileiros: sua situação e  privilegiada,  e com futuro promissor,   depois da maravilhosa Rio de Janeiro.
Poderia   ser construído o melhor dos portos da America do Sul,  nas costas    do Atlântico, muito mais carente de baías do que o Pací­fico.   Além disse devera   ser construída  uma  estrada de  ferro que,   partindo de Joinville,  demandara  o interior brasileiro. Em  conseqüência um futuro    brilhante aguarda a baia de São Francisco,   graças ao porto.    A baia forma a  ilha de S. Francisco,  que  se  oferece montanhosa,   idêntica é a  situação da terra  fir­me,   requebrado ao norte e plana  para  o sul... a baía  é na  parte  sul estreita e de  pouca  profundidade,  de maneira  que  somente da  região norte e que passam os navios e adentram o porto.  Por esta via  podem navegar os navios do maior calado,  do que não tem condições de  se orgulharem os maiores portos, como: Buenos Aires,  Hamburgo e Petersburgo.
Ao despedir-me de  são Francisco deleitei-me com a beleza do por do  sol,   que espargia  os    seus  raios suaves  sobre  as águas que mistu­ram o Atlântico. 0 navio penetrou em alto mar,  descrevendo um gigantesco semi-círculo, rumando para  o  sul. As costas prosseguem montanhosas.  0 panora­ma  cansa, pois  sempre é  o mesmo quadro,   ainda  que tenha a beleza,  quer nos picos quer    nas escarpas dos montes Tatra    e Alpes,  transpostos    a beira-mar. Olhados    continuemente deixam de ter atrativo.
0 navio estava  superlotado de passageiros...  era nata da  sociedade brasileira.  Algumas "gatas",   seguidas por um enxame de adulado-res,  visitou a  primeira  classe, onde  os viajantes sesteavam, em vista do bom tempo. Todos    sentiam a maior felicidade de conseguir um olhar,  uma palavra, ou respirar o mesmo ar que elas  sorviam.  Afogado em semelhantes    pensamentos, radiei de  felicidade quando uma  delas    voltou-se para mim,   com sorriso simpático,
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dirigindo-me  algumas palavras. Vieram as outras e  cada uma  queria ser a  primeira a  dialogar comigo.  Levantei-me,   fiquei atordoado, perdi a cabeça e murmurei algumas palavras incompreensíveis,  afir­mando ou pretendendo  significar que isto constituía um prazer enorme.  Não ti­nha  a menor idéia de que  se tratava,   sem portanto poder definir o objeto de minha  satisfação. Soube e compreendi depois de alguns momentos,  quando me levaram um Rotschild  ou Vanderbild.
As  "gatas"   sumiram,  vieram rapazes elegantes com as folhas de  papel.   Olhiei um deles.   Tratava-se de um abaixo-assinado.  Pelo teor do cabeçalho,   deduzi que   se  tratava  de ajudar uma   família  de marujo do navio que naufragara  em Besterro,  em que havia  perecido. Assinei e dei    dois mil reis.  Um francês a meu lado negou-se a assinar com o maior sangue  frio,  afirmando as "gatas"  e aos elegantes que  isto contraria suas convicções. Depois que travei uma amizade mais estreita  com o mesmo, explicou-me que se tratava de uma coleta  para  uma  capela  em Desterro.  Nós, os estrangeiros contribuímos sem necessidade. Ele  era uma  figura  de  proa  das empresas ferroviárias da França.  A sua amizade em meses futuros, valeu-me muito.
Não havia  possibilidade de  passar a noite nas cabinas, porque  todas estavam tomadas.    Deliberei pernoitar no convés, pois a  tempe­ratura era sobremodo convidativa. 0 por do sol,  a  noite estrelada e o luar pareciam um sonho.  Não havia   sinal mínimo de  chuva e  qualquer um apostaria, jogando em tempo bom. 0 céu foi repentinamente encoberto por nuvens pesa­das que desencadearam    uma  tempestade. A  água   foi tão repentina  e violenta per que molhou-me completamente no percurso do convés  ao refeitório. Percebi que me encontrava ao lado de uma  das  "gatas" .  0  frio,  a umidade e o sono apagaram todas  as  imaginações que  poderia  nutrir em meu coração...
Fui acordado,   em vista da movimentação para  o café. Os céus não enxugaram sua  face. Continuava a  cair água a  cântaros. Não havia condições de divisar a  costa,   recoberta de casinhas brancas.  Estávamos em Des­terro,   chamada desde  alguns anos Florianópolis, em honra ao vice-presidente do Brasil,  Floriano Peixoto,  homem que  esmagou a  revolução Federalista.
Em poucas horas estávamos em terra  firm£,  num dia  de sol.  A Capital de Santa Catarina,  Desterro,  e menor do que Curitiba.  Não pos­sui mais de 15.000 habitantes.   Sua   situação é encantadora, principalmente
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o  centro da ilha de Santa  Catarina,   localizada  entre duas baías.  0 estreito que separa    da terra  firme e de apenas alguns metros.  A extensão da ilha atinge 100 km.     0 estreito aparenta um rio de proporções regulares. As cos­tas,  nomeadamente a da  terra  firme  são alcantiladas    e  suas montanhas nos aludem, pois parecem distar apenas alguns passos, que na  realidade  são al­gumas milhas.  0 estreito e de pequena  profundidade e não permite  passagem aos navios de maior calado.
Hospedei-me num hotel de alemães. É modelar no asseio, mas mui­to explorador em bebidas.   0 proprietário é um colono, que  enriqueceu   e seu prazer era  tratar nobremente os  seus hospedes,   com a   finalidade de atrair freguesia.  Fui obrigado a dizer-lhe algumas "verdades"  e ameaçar de abando­nar a hospedaria. De imediato,  não encontrei  poloneses.  Na via  principal, "Rua 15 de Novembro",  deparei-me  com e anúncio "restaurante polonês". Não foi em vão a minha  entrada, pois encontrei ali o proprietário, sr. José Szczepanski,  vindo de Varsóvia. Recebeu-me  cordialmente  e  foi prestativo como  se fosse seu irmão. Por seu intermédio conheci outros patrícios, Kaminski e Wiklinski, sapateiros.  Fiz amizade com eles, bem como com suas famílias.    Participava  de  aperitivos e    almoços. Visitei os barracos dos imigrantes, onde  se detém por algum tempo as expensas governamentais,  até se  fixarem definitivamente em seus lotes.  Encontrei homens do Reino e da Galícia, poloneses e ucranianos. Alguns pretendiam deslocar-se ao Para­ná. As hospedarias estavam em excelente situação. Tive a impressão de que estavam em melhor situação do  que as de Curitiba, pelo menos a aglomeração era menor. Deve-se levar em conta o fato de que o Estado de Santa  Catarina é bem mais velho do que  o Paraná  e  recebe  imigrantes há muitos anos.  Os organismos destinados a  receber as levas imigratórias tinham tempo para  se aparelhar.   0 movimento migratório para Curitiba já  se iniciou e continua a  fluir para aquela unidade brasileira.
Fiz quatro visitas ao palácio do Governador Hercílio Luz, mas em nenhuma delas o encontrei. Soube depois que isto não é simples acaso. 0 governador não nutre  simpatias pelos poloneses,   suas relações são de prejudicador a prejudicados. Houve ocasiões em que fugia deles. E grande amigo dos alemães de Blumenau, partidários govenistas.
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O Estado de Santa Catarina  pode  ser dividido em 4 partes: São Bento e  Dona Francisca, com Joinville, Blumenau e Brusque  (estes setores situam-se entre a  Serra  e o Mar), Laguna-Tubarão,  igualmente no litoral e a ultima    é  constituida  pelo planalto de Lages,   além das serras.  0 ultimo setor e o menos povoado, selvagem, completamente descolonizado por estrangeiros,   ao contrário que aconteceu  com os três primeiros que receberam forte contingente  imigratório.
Aproveitei o barco que  partia para Laguna,   para visitar primei­ramente a  região  sul do Estado. Embarquei de noite,  pelas 22 horas e a embarcação zappou pela meia noite, revolvendo as águas que apresentavam um clarão elétrico-luar. A  fosforcência  era    forte.  Tanto esse fenômeno, quanto a  proximidade do meu beliche da helice,  não permitiam que conciliasse o sono. O mar estava  agitado de forma  que ora a  proa,   ora a   popa encon-travam-se fora das águas,  ao transpor os vagalhões.  Somente no dia   seguinte  aportamos em Laguna,  em meio a   dia  chuvoso e nublado. Pouca  coisa  pude apreciar   na  cidade,  até    chegar a  estaçao  ferroviária.
As 14 horas    parti  para    Bifurcação, donde parte a linha  fér­rea  para  Imbituva,  e uma  outra  para Minas,  no interior do Estado, para a direção Oeste. Atravessamos uma  ponte de grande extensão, levando seis minutos para  ser percorrida. Não tinha  parapeitos,   causava  a  impressão de que estávamos voando sobre o mar,  vendo ondas de proporções consideráveis, quebrando-se contra  as pequenas ilhas rochosas do litoral.  À noite cheguei a  Tubarão encontrei o pe.  Chylinski. de  Poznan.  A  seu respeito tive boas referências em Desterro. Era bom  religioso e polonês.
Não tive decepções.  Ofereceu-me  prontamente  seus prestimos e informações sobre os poloneses e    sobre as colônias.  Em sua  residência na cidade de Tubarão pude observar de  perto um Botocudo,   que  recebia educação no colégio dos padres.    Foi capturado há alguns anos,  numa caçada a selvagens. Veste-se,   fala  o português e  não há  perigo que  fugia  para junto dos  seus.   Sabe  que os próprios pais lhe  tirarão a vida  se aparecer vestido. Não é possivel manter em cativeiro, um botocudo adulto: não acei­ta alimentação e morre de fome,  depois de alguns dias de falta de liberdade. O  rapaz,   para  a   idade,  e de pequena  estatura,   ombros largos e  peito estu­fado e  sua  tez é bronze-escura.
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Seus lábios ainda não se uniram. Cada botocudo é marcado com uma  perfuração do lábio,   que  sempre permanece aberto, mediante um suporte de madeira. Este é feito na  infância e  permite  que assovie assustadoramente,  atraindo pássaros,   imitando  suas vozes.  Fomos brindados com um  desse assobios horripi­lantes.
0 pe.  Chylinski vivia  com outros três sacerdotes alemães. Viajam constantemente  pelas colônias germânicas,   enquanto ele faz visitas as polonesas,  bem como outras.  Encontrei na  casa  paroquial alguns artí­fices e  colonos nossos,  com quem passei uma tarde agradável e de muito pro­veito.   Teria  condições de escrever um trabalho interessante  com os dados que  colhi sobre a  flora brasileira,   sobre os botocudos,  o  levante  que teve lugar  tempos atrás.  Pode  ser que  em outro local voltarei ao tema.
De suas narrativas pude deduzir quão impiedosa  e anti-crista é a  luta  que  se trava   contra  os botocudos no Estado de  Santa Catarina, onde são os mais visados e onde  seu numero é maior.  Fiel aos conselhos do pe. Chylinski,  decidi visitar as colônias de Crisciúma, Grão – Pará a fim de me encontrar com éle  em Braço do Norte.                                                                                      
A viagem entre  Tubarão e  Pedras Grandes atravessa  uma    região    semelhante as da Europa. Existem estações em montanhas,   cobertas de  pujante vege­tação, rios, regatos e um numero considerável de quedas d'água.Em Pedras Grandes,   pequeno povoado,   que me  chamou atenção pela limpeza,   hospedei-me num hotel alemão. 0 proprietário dirigia  ainda uma mercenária e  torno. Tinha vários empregados poloneses.Embora    informado detalhadamente  sobre o caminho    a Crisciuma,  defrontei-me  com dificuldades insuperáveis a  primei­ra vista. Não consegui    um cavalo,  nem burro. Quando apontei para um pro­prietário, mostrando uns dez muares que  pastavam afirmou que não poderia alugar,   porque estavam cansados. Dois italianos,   suspeitos de  que  sejam levianos,  disseram-me  que em Urussanga, poderia  obter    burros    a vontade.  Se­gundo asseguravam, aquela localidade  distava  uma hora e meia de caminhada. Todos os meus esforços de  obter montaria  em Pedras Grandes foram inúteis.  Impaciente de permanecer no hotel,  apesar de  que  o proprietário dissesse que deveria aguardar por uma   condução (certamente para  ganhar as minhas custas) abalei-me a  pé.
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Os dois italianos acima mencionados    seguiram comi­go,  mostrando-se sobremaneira  gentis e  ofereceram    toda  sorte de    ajuda. Suas olhadas sobre  a pasta despertaram minha  supeita.  Soube depois que  semelhante  companheiro a  tiracolo cria  ciúmes e ganancia nos homens simples,   pois julgam que há muito dinheiro,  são tentados ao  roubo e o portador  corre  o risco de perder a propria vida.  Os  companheiros sempre  ofereciam-se para  carregar alguma  coisa minha.  Acedi,   com a  precaução de  guardar junto de mim o  "bocó"  e o revolver,   deixando que portassem a minha  capa de borracha.
Apôs termos caminhado durante uma hora,  chegamos a uma  pequena aldeia  italiana,   onde me separei dos companheiros. Ali  soube que até Urussanga levaria  duas horas de caminhada.  Falou-me com  sorriso (sarcástico e me  parecia  desprezivo.  Combinei  com os dois italianos    que nos encontraríamos  num povoado adiante.
Amassávamos o  barro em chuva  e  lama,  não crendo nas pa­lavras do "vendeiro",   pois  julgávamos que ele queria  que  pousássemos  em sua hospedaria.  Atolava  até o tornozelo.  A lama  era de uma  coloração vermelho-tijolo,   e nlameando os meus sapatas e  parte das vestes.  A terra  seria útima    para  plantação de  café,   pois havia  uma vegetação viçosa  e  pujante. Antes do cair da noite cessou a chuva e  sobreveio um tempo bom. Através de pessoas que levavam carregamento para Urussanga, certifiquei-me que aquela localidade  ainda  distava duas horas. Soube da existência de colono, que  ficava  no desvio lateral.    A chuva molhou-me até o último fio e ao in­vés de prosseguir a  caminhada,   rufugiei-me no mato. Percebi que um dos companheiros passou,   galopando,  montado num tordilho. Essa  paragem,  as olhadas estranhas durante a viagem,   fez-me desviar a rota,   em direção a casa do colono  italiano. Não desejava entrar no "rendez-vous"  com os companheiros italianos.  Penitenciava-me do excesso de prudência, mas as minhas dúvidas se dissiparam em 16 minutos,   com o cair da noite.
O proprietário italiano ja  havia  cerrado as portas e toda a  família  já descansava.  Com dificuldade  consegui entrar em sua  casa e mal cumprimetei o dono,   pois sua  senhora  e as crianças já dormiam.  Serviu-me biscoitos e vinho tinto,   disse-me algumas palavras  simpáticas com re­ferência aos poloneses e  sobre a Polônia.  Hospedou-me na estrebaria.  Tudo isto foi feito mediante  remuneração.
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Depois de  saldar as minhas despesas, que foram medianar,  despedi-me  pelas 5 horas da madrugada.  Sua  patroa mostrou-se muito  simpática,   serviu-me um café preto e convidou-me  para  voltar.
Era um dia de  sol diáfano e absorvia a  fres­ca  brisa matinal,   contemplava a  natureza  que desperta, até chegar, pelas 9 horas, em Urussanga. Perfiz o trecho  caminhando com passos estugados. Todos a quem perguntava  por aquele povoado respondiam  simplesmente    pertinho".
Finalmente  alcancei o lugar tao almejado. Trata-se de um povoado italiano de proporções consideráveis,  compoõe-se de uma linjha alongada. Na venda informei-me a  respeito de  poloneses.  Encontrei um que vinha de Crisciuma,   que me tomou sob os seus cuidados.  Ofereceu-me  seu cavalo,   enquanto prosseguiu a  pé.  Durante a viagem tive oportunidade de me  inteirar dos detalhes da  colônia. Era  agradável ouvir da boca  de um colono palavras de amizade e confiança,  bem como a  compreensão da minha missão no Brasil.
            Levou-me ao escritório da  colonização que,  a  exemplo do que ocorre em todas as colônias,  também aqui era  sede da  administração. Todas as questões colonizadoras, administrativas e  judiciárias concentravam-se num mesmo escritório. Ali encontramos só um funcionário, engenheiro agrimensor,  um letão que mal conhecia  o polonês,  mas dominava  o  russo e o português. Ali reuniam-se vários colonos e  perguntavam-me  sobre a  finalidade da minha viagem,  durante duas horas. A  conversa  correu animada.  Ouviram com atenção notícias sobre a Polônia  e  ficaram satisfeitos de que na Polônia  preocupavam-se com eles. Principalmente entusiasmou-se o lituano Andruszkiewicz,   quando soube que possuo parentes próximos na Lituânia e que  são bons conhecidos meus. Convidou-me  para   sua  casa  e não me deixou mais,  durante a minha  permanência nesta  região.  Em sua companhia visitei as colônias de Crisciuma  e Cocal.
            As terras    não me impressionaram,   ainda  que produzam e  segundo os conceitos europeus não são nada más...   são consideradas as piores do Brasil. Em Cocal as glebas  são fracas,   do que  se  queixam os próprios colonos, que não  são exigentes  quanto aos  solos,   pois são ávidos por    terra. A  região apresenta  lombadas,   recobertas de vegetação e mato. Ali,  as serras tornam-se mais amenas,   por causa  da  proximidade do mar.   Quanto mais  se avi­zinham da orla marítima,   praticamente desaparecem,  e mais ainda  para a dire­ção da  fronteira do Rio Grande do Sul.
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            Ao lado das glebas polonesas,  existem outras,  povoadas por italiános. È a  colônia Nova Venesa,  Nas  colônias de Crisciúma  e Cocal moram 70 famílias do Reino da  Polônia e da  Lituânia,   isto é 300 a 400 pessoas.  A primeira  consta de 60 famílias e  300 pessoas e segunda  com algu­mas dezenas ou 100 pessoas aproximadamente.  Ambas  são quase totalmente polonesas.  Em Cocal havia muito mais poloneses, mas abandonaram o lugar por  causa do solo inadequado.
            Surgiu uma  lenda a meu respeito. Alguns interpre­tavam que se tratava de um agente  para arregimentar homens para  o exêrcito polonês.  Davam a  entender que me consideravam agente do levante polonês, que simplesmente  para disfarçar falava de problemas geograficos e comerciais.   Quando lhes perguntava  sobre os problemas locais,  os mais jovens respondiam que  iam mais ou menos, mas que de bom grado retornariam à Pátria de origem, se algum levante estivesse  por surgir.  Alguém mais velho,  como que  queimado,   jurava  que jamais voltaria  para  sua terra na­tal,  pois  já se achava  irmanado com o solo daqui,  por ser mais velho,  etc...Inicialmente nada  pude compreender, o qué aconteceria mais tarde,  o por­ que das queixas.
            Parti,  acompanhado pelo  sr. Adruszewicz,   levando grata  recordação de sua  família, sua esposa  e duas filhas simpáticas, bem como dois patrícios,   o cortumeiro Chinczewski e o colono    Bartosiak No decurso da viagem soubex.da vida agitada do sr,  Adraszkiewicz,   sobre a sorte de muitos poloneses    durante te a Revolução de 1893,   certifiquei-me como "poloneses" lutavam contra "poloneses" na Lapa, como ele comandou um batalhão governista, organizado pelos poloneses e ucranianos da Galíci que haviam chegado recentemente. Falando isto, disse não ter suspeitado que havia  lutado contra  irmãos,   que  faziam cerco a  cidade.
            Na  estação abraçamo-nos cordialmente,  beijando as faces o que  chamou a atenção geral dos brasileiros,  não afeitos a semelhante despedida.  Ouvimos risadas e palavras:   "polacos!  Polacos! Tínhamos a  perfeita  consciência  de  que a despedida    brasileira igualmente  seria curiosa  para  os poloneses na terra  de origem:  abraçar-se pela cinta   e   bater  com  as   palmas  nas  costas.

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CAPITULO X

            A viagem de Pedras Grandes continuou por uma estrada encantadora, semelhante aquela que atravessei a partir de Laguna. Horas apôs cheguei a uma colônia ítalo-letã, onde se encontra a sede da "Empresa Colonizadora e Industrial", sociedade que possui vastas áreas de terra em Santa Catarina e já organizou várias colônias. A matriz da companhia esta sediada na cidade do Rio de Janeiro e a filial de Orleans é dirigida pelo sr. Stawiarski, oriundo de Czenstochowa. Ele reside mais em Grão-Pará do que em Orleans. Em vista da carta que lhe enviei anunciando a minha vinda, fez a gentileza de me mandar muares com uma carrocinha de confiança.
            Partimos pelas 16 horas. Cavalgava um burro tordilho, pare­cendo um potro, como jamais poderia suspeitar que existam animais desse jaez. O caminho depois da chuva estava excelente. As vistas espe­taculares, com a vegetação refeita pela água. A distância divisavam-se as Serras do Mar, tendo os cimos cobertos com nuvens, enquanto as ladeiras dos morros recobertas do tapete verde das mais variagadas plantas sobressaindo se os cedros, figueiras, canelas, louros, cipós que descem
das copas até o solo. Dentro da mata crescem esbeltas palmeiras, com belas folhagens, tais como, podem ser vistas nos viveiros europeus. Chamam-se palmitos. Deleitei-me até o por do sol, com as paisagens que a cada instante eram novas e inesperadas. Durante a viagem confabulava com meu companheiro, sr. Demaj, procedente da Galícia. Com o cair das sombras da noite, os meus olhos entraram em devaneio. Troteávamos, mas tive a impressão de que batíamos os pés no mesmo local, outras vezes tive a impressão de estar sentado sobre uma máquina que trabalhava uniformemente, ou ainda que estava caindo para um precipício, batendo-me contra árvores, partindo o crânio, bem como tive fantasias de que a escuridão qual avalanche irrompia contra mim. A cavalgadura era o meu guia, pois conhecia meçlhor do que eu o caminho,  razão por que deixei que andasse sem corrigi-la.
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Corríamos tanto nas subidas, quanto nas descidas, Atingimos uma localidade com habitações. Era a sede da Colônia Grão-Pará. Chegamos depois das 9 horas da noite.
            Ali me aguardava o diretor Stawiarski, homem de média idade, que abandonou a Pátria, depois da derrocada do levante, com o co­ração partido quanto ao futuro da Pátria. Calmo e humilde conquistou sua posição pelo trabalho, alcançando a direção, graças a sua capacida­de e honestidade. Casou-se com uma italiana, pessoa que não o iguala em cultura, com quem quase não conversei porque falava um dialeto italiano
            Uma moradia na localidade de Grão-Pará não deixa de ter seu romantismo. Habitavam ali umas 50 famílias polonesas e umas 300 almas aproximadamente. Haviam-se estabelecido ali umas 200 família cerca de 1.000 pessoas, que se retiraram por motivos de ataques indígenas, principalmente botocudos, que os colonos chamam de "buchy". Assassinaram uma menina em pleno meio-dia, enquanto trabalhava. 0 sr. Stawiarski organizou uma expedição contra eles, dizimou-os e extinguiu sua taba, levando grande quantidade de armas, flechas e alguns rapazes. Os índios suspeitavam quem fora o  autor, de semelhante revide e não desistiam. Ele e sua senhora não dão um passo, sem estarem munidos de armas de fogo. Os silvícolas fazem-lhes brincadeiras, tais como abrir as por­teiras, etc.., mas não ousam atacar; por causa dos cães amestrados e armas de fogo. Os cães e os muares sentem de longe a aproximação dos selvagens, razão porque dificilmente e excepcionalmente podem achegar-se as construções.
            Hospedaram-me numa casa vizinha, recem-construída. Apesar das narrações, realmente fantásticas, a fadiga e o sono fizeram seu pa­pel e dormi como se fora um justo. Sonhei ou mesmo acordado ouvi o la­tir dos cães. Somente conciliei o sono depois de apalpar o companheiro inseparável - o revolver.
            Nos dias seguintes visitamos as colônias da redondeza. A diminuição do numero de habitantes não fez decrescer o desejo de sedimentar a existência dos sobressalentes.
Brak  -88-
Concluíram a capela sob a oientação de um alemão. A igreja representa um fator de fixação e con­tinuidade da colônia. É uma força atrativa de ponderável valor. 0s habitantes de Grão Para provêm das três ocupações, embora prevaleçam os prussianos orientais e homens do Reino. Existem ainda um diminuto número dos Mazury da Galícia. Os retirantes fundaram clônias ao norte do Rio Grande do Sul, são Bento e Paraná. Houve alguns que retornaram para sua Pátria. Não paira mais o perigo do desaparecimento desta colônia, como parecia a alguns anos. A colônia não é oficial, é particular. As colo­nizações particulares são poucas, por motivo do lucro imediato que os capitalistas podem obter na indústria e no comêrcio. Embora o colonizador particular seja cerceado por leis que proíbem a exploração dos colonos, ele pode obter lucros fabulosos. Adquire as terras por preços irrisórios reparte-as, divide-as entre pequenos proprietários, que as pagam em prestações durante anos, ou então com o seu trabalho. Em vista desta última modalidade, ele sempre tem mãos de obra para os empreendimentos fabris, mineiros, nos quais poderá alcançar melhores lucrçs.
No parcelamento da. terra pode sofrer ate prejuízos pois o lucro pode vir por outras vias. Em nenhuma parte do mundo o tra­balho oferece melhores frutos do que, nos países novos, selvagens, inexplorados pela civilização. Era exelente a idéia evidenciada pela companhia presidida pelo sr. Stawiarski: "Empresa Comercial e Colonizadora". A execuçao não era singular, segundo --me afirmam, pois seu antecessor, italia­no, permitiu grossas bandalheiras.
0 sr. Stawiarski procura atrair colonos poloneses. Por essa razão encontra-se com freqüência no vizinho Estado. Para os co­lonos, um diretor tão distinto e inteligente é uma sorte grande, tanto mais que ele é um polonês. 0 único empecilho do desenvolvimento de Grão Pará são os botocudos, em vista de seus ataques, e o clima, que é quente e oferece dificuldades para a aclimatação dos nossos, às culturas tropicais. Essa colônia não "cairá", tornar-se-á modelo no cultivo do arroz, cana-de-açúcar, etc... Todavia não sei se o sr. Stawiarski conseguirá trazer maior número de imigtrantes.

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Eles pereceriam como gota d'água no mar de italianos, brasileiros e alemães, que os cercam.... Não é fácil pre­ver a  resposta a  semelhante questionário.
            Grão Pará  situa-se em clima magnífico e numa  bela  posição geo­gráfico em meio a montanhas.   Deixei-na  com saudades,  depois de  alguns dias. Dirigi-me a cavalo  fornecido pelo sr.  Stawiarski e acompanhado do fiel com­panheiro Dymaj a  colônia    westfaliana do Braço do Norte. Passamos pelas proximidades de um rio que fora denominado "Warta"  pelo  senhor Stawiarski. Reinam esperanças de que não somente o rio "Warta"  atestará a  passagem dos poloneses pelo setor que visitamos...
            Após um dia de viagem por caminhos serranos,  por uma  região povoada e bela,   chegamos a  colonização dos westfalianos  Braço do Borte.    Admirava a  pujança dos bananais,  altos de um andar e meio e  plantas resinosas que    em muitas ocasiões passam por verdadeiras arvores.
            A bananeira  é uma  planta  que  se compõe de enormes folhas,  que praticamente    nascem do  solo. 0 centro dessa alface monstruosa ou repolho, do qual nasce um talo encurvado de    proporções gigantescas, se transforma em bana­na - fruta. Depois do florir do talo,  as frutas parecem um  enorme cacho de uva,  como se  estivéssemos numa  terra de promissão,   que duas pessoas mal podem carregar.  Com o correr do tempo a   flor transforma-se em "meias-luas",  num to­tal de 20 ou 30,   plantadas em derredor do talo. Aos poucos vai-se inclinando em direção da terra,  devido ao peso.  A  fruta madura  tem o compramento de alguns centímetros,  e mede 2 a  3 cm.  de diâmetro.  Sua casca é fácil de remover e  oculta uma fruta doce, farinhenta  e  com gosto que lembra as balas inglesas.
            As bananeiras podem formar sebes eficientes, não permitindo a  pas­sagem de nenhum    animal de  criação. Essa  planta é considerada  jôio,   em vista de sua  rápida multiplicação,  A bananeira  produz uma  semente,   como se fosse feijão lilás-escuro-cinzento, oculto numa noz espinhosa,   que congrega  8 ou 16 sementes. Destes grãos pode  ser extraido um  célebre óleo.
            Não me encontrei com o pe. Chylinski.  Enquanto o aguardava, e entrei conversação com um colono letão e com os alemães,
            0 letão estava  apegado a  sua nacionalidade, mas  indiferente  quanto á libertação do país das mãos dos inimigos. 

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             Estava  impressionado com a  potencia da Rússia e Alemanha. Suas energias não iam além de umas orações para que sua nação alcançasse a liberdade... Seus vizinhos em Braço do Norte conservam características de dependência do trzarismo. Conserva fotofrafias da família do tzar e dos generais russos nas paredes da residência. Conforme a assertiva do meu amigo letão, esses símbolos externos correspondiam aos sentimentos que nutrem interiormente.  São simples, vício de rotina, um costume , embora estranho. Èle mesmo traiu os sentimentos afirmando que os letões deveriam unir-se aos poloneses,   como uma  força  fraterna.
            Os letoes não participaram ativamente da revolução de 1893. Não brincaram,  afirmando que não receberiam nem os federalistas,  nem os governistas,  mas comprometeram-se a  defender o seu gado. Os esbirros militares, pertencentes ao exêrcito  oficial,  desprezando os estrangeiros,   começaram a  rou­bar seus bens.  0 assovio de uma  bala  pôs  por terra  o primeiro valentão, que  se aproximou das reses.  Os demais  desapareceram.  A partir deste momento nao fo­ram perturbados os   nobres letões.  Segundo dizem,   os alemães tiveram semelhante atitude,  em Blumenau. Se os poloneses tivessem tal atitude em todas as colônias, com certeza   teriam    evitado todo  o perigo de guerra. A  falta  de organização e entendimento, foram os responsáveis pela  falta  de  qualquer de­fesa.
            Os  alemães westfalianos pouco me interessaram.  Passei longas ho­ras em confabulaçao com o proprietário da venda, onde me havia hospedado,  bem assim com o professor da  escola  alemã.  Os alemães oriundos da Westfalia falavam fluentemente o Hochdeutsch. Causou-me impressão sua
pela língua materna,   pouco literária  e  simples,   conhecida  como "Platdeutsch ". Em sua  palestra     animada  e  sincera notei  isto. Essa  língua  é  semelhante ao holandês,  bem mais do que o eslavo ao polonês,  ou a    "Langue d'oc" na França ou o catalão na  Espanha.  È perseguida  e  sufocada  de cima,   em todas as  reparti­ções, júris, literatura  e  publicidade. Não há nenhum jornal nesse dialeto na Alemanha. Existe um periodico na América  do Norte.  Não existe  nenhum professor no Noroeste da  Alemanha,   onde 20 milhões servem-se desse dialeto. É curioso que nem o clero a  emprega  para difundir a  palavra de Deus entre os pequeninos, embora  sejam os mais numerosos. O próprio partido Social Democrata  que  procura encontrar apóio nas massas,  não  a usa.  Em circunstancias históricas diferen­tes esse milhões formariam  uma potência  holandesa  e   poderia  ter lugar na Alemanha uma questão semelhante à que existe entre a Polônia e a Rússia ou a “Litwomańska”
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Aguardei a   chegada  do pe.  Chylinski. O operoso sacerdote retornava de uma  de  suas visitas as ovelhas,   dividindo  seu tempo  entre Braço do Norte e  Tubarão. Não  consegui  convencê-lo para  que adotasse a lín­gua  "Plattdeutsch", pois julgava um dialeto grosseiro,   feio,   indigno de cuidados e proteção.  Em contrapartida, preocupava-se com a civilização po­lonesa, entre os nossos,   fornecendo-lhes periódicos,  livros e  sua  permanen­te presença  entre eles...
            Cedendo-me um cavalo e  guia,   o pe. Chylinski    permitiu que  par­tisse.   0 caminho percorrido até  alcançar a  próxima  estação ferroviária não tem nenhuma  particularidade digna  de nota. Era  o  prolongamento do panora-ma  com belas vistas e vegetação exuberante,   quase tropical.  Entre as inúmeras impressõs remanecentes de minha  permanência na  América,  a  travessia do rio permanecera  para   sempre.  Julgando-me    mais  sagaz do que  o meu guia, não  segui fielmente suas pegadas, pois,  vendo claramente  o fundo do  rio,  um pouco mais acima,   pensei que  fosse mais  raso.  A  pouca  profundidade  de nada valeu,   pois a  correnteza  era  tão forte, que  carregou o meu cabalo e mergulhou até a  cabeça. Acompanhei-o,   caindo até  o pescoço na  água  e bebendo tanto de H²0 ,   ao  tombar da  sela.  Mal me  podia   segurar ao  pescoço da  cavalgadura. Ao cair da  sela,   quase voando, procurei alguma  coisa, onde me  pudesse amparar,  mas somente  encontrei a sela.  Essa minha  queda  foi a minha  salvação.  0 animal  firmou as patas em terra  firme,   e  desta   forma  alcançamos a  outra mar­gem do rio. 0  sol causticante do mês de  janeiro a junho na  Europa),  encarre­gou-se de  secar as  roupas e  os pertences.  Foi rápido,   em vista de estarmos em pleno meio-dia,  embora estivéssemos completamente  encharcados. A partir do leito do rio,   galgamos uma  ladeira,   onde  se  encontra a  estação ferroviária.
            Aguardei o trem durante uma  hora  e  parti por caminho ja   conhecido até Laguna.  A breve  palestra  que mantive  com um sacerdote alemão,   em Tubarão revolvia a minha mente.  Falei  com ele em alemão. Não podia  conceber  que não fosse um cidadão de  sua  terra.  Encontra-se a   postos em meio a  gente semi-bárbara  e deconhecida,  bem como entre os paupérimos poloneses,   que,   qual nús entre urtigas,  alegram-se quando    algum estrangeiro domina   sua  língua.

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Não tive  possibilidades de descobrir na  cidade de Laguna o hotel do senhor Kwiatkowski.   Somente  quando me disseram que conheciam o "seu Ignácio" diri­gi-me ao patrício.  Ali soube  que deveria aguardar uma semana  a  partida  do navio.  Passei o tempo organizando minhas anotações e expedindo correspondên­cia.  0  dono,  apôs passar    por    agruras,  organizou o hotel. Conquistou a  con­fiança  e  o credito.  Ja  quase esta  livre de dividas.  Hoje é um dos bem situa­dos e estimados homens de Laguna,  cidade  com 5mil habitantes. Casou-se  infelizmente com uma  alemã e a  influência desta fez com que denominasse  seu ho­tel de "Germânia'.  Seu sobrenome  é completamente deturpado   nos anúncios. Há tantas consoantes que é impossível pronuncia-lo.   Soa mais ou menos assim: "Inácio Kwaktsktekks".
            0  sucesso econômico do nosso patrício, transluz em muitos setores. Entre outros,   compra  orquídeas,   espécie de  parafeita de arvores,   pagando alguns réis aos  brasileiros e  revende-os a um francês, em Desterro, por algumas dezenas ou até centenas de mil-réis.  É grande a  quantidade de  orquideas    ex­portadas para  a  Europa,  especialmente  para a   Inglaterra  e  França  e  até para a  Alemanha. Sua   flor deve  ter algumas  propriedades medicinais, odor agradável, exalado,   quando transposto para ambientes mais amenos no Velho Mundo. Essa planta  cresce e  se  conserva  em pedaços de madeira. Os  pátios do hotel "Germânia" estão abarrotados de  diferentes exemplares. A cidade,   onde  predomina a  língua   portuguesa,   situa-se maravilhosamente    em semi-ilhas. Tem-se muitas vezes a  impressão de  que  finda,  mas ao galgar uma  colina, percebe-se casas do outro lado,   plantadas, junto a uma   rua  prolongada. Desta  forma   surgiu a   rua ou antes o  subúrbio de Magalhães, distante um quilômetro,  depois da  última moradia,   para  o lado oposto,   além dos estreitos e morros, onde está  a   costa  do mar,   coberta de areia  e excelente para  banhos maritimos. Na  orla  costeira, num outeiro encontra-se uma serie de elegantes moradias,   pertencentes aos  "nobres patrícios brasileiros"  de Laguna.
              algumas dezenas de anos não existia a  cidade  que hoje conta com 6.000 habitantes (o autor cita  uma vez 5 e agora  6.000) A  região inteira era  habitada   por índios    botocudos, dos quais  remanesceram muitos cemitérios. Eles afastaram-se da civilização européia,   retirando-se  para  os sertões. 0 arqueólogo encontra  excelente  campo,   inexplorado até o  presente.  Alguns alemães fazem aqui pesquisas.
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            A estrutura ôssea do  índio distingue-se  por uma  grande  robustez,  a  ossatura  é grossa,  de tal forma  que e difícil de acrecitar.  Com poucos  recursos poderiam obter-se grandes escavações indígenas e enriquecer museus.  Basta para  tanto estabelecer  relações mais estreitas com o  sr. Ignácio Kwiatkowski. A bahiá  de  Laguna  é muito segura  e aqui aportam navios de passageiros e  carga  com três metros de  profundidade.   Imbituva é mais funda,  mas menos  se­gura.   Trata-se de uma  cidadezinha, situada  a  30 km ao Norte.  Até ali  chega o trem, como local para  exportação de  carvão-de-pedra  das minas  da  região de Tubarão.  Com a  finalidade de  transportar o carvão, os trilhos da  estrada de ferro foram conduzidos até o  sopé da  serra  do mar.   Estação   das Minas. As minas encontram-se    as margens do Rio Bonito, calculando-se em 4O milhões de toneladas, que  poderão  ser exploradas durante 129 anos,   se durante um ano de 300 dias, forem  retiradas mil toneladas diarias. As  reservas das margens do Rio Branco são calculadas para  128 anos  se  forem retiradas 300 toneladas diárias,
            A Companhia  inglesa  proprietária das minas,   construiu também a via férrea.   Os negócios não apresentam muitas vantagens. As  tempestades costumam alagar as minas e  impossibilitam a sua  exploração.  Ainda  que  o carvão  seja exportado por Imbituva,  Laguna  não    deixa  de  ser centro importante  como entreposto de transporte de  produtos para o interior,   como por exemplo Tubarão. Exporta-se milho,   feijão preto,   arroz,   cafe (em pequena  escala),  amendoim, fumo,  mandioca, especialmente  para a  França  e Estados Unidos,   couros e crina. A  especialidade  do  sr.   Kwiatkovski é  exportar orquideas  para  a   Inglaterra   e França,   como mencionei acima.
            "Laguna",  o barco aguardado, veio, adentrando a  jóia baía,   com hor­ripilante  assovio,   como  se  fosse um animal apocaliptico.  Depois do meio-dia cheguei em Desterro, após ter-me deleitado  com as orlas escarpadas,   tanto da  terra  firme,   quanto da  ilha  de  Santa Catarina,   em plena  luz do mês de fevereiro. A  ilha torna-se visível quanto mais nos aproximávamos da  capital catarinense.
            Na mesma  noite    encontrei-me na  casa  do sr. Szczepanski.  Ali  reina­va um ambiente  cosmopolita.  Encontrava-se um prussiano  socialista  que  insis­tia  em chamar-me de ministro e    dizer horrores  sobre o  governo  prussiano.
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Os italianos cantaram em coro, imitando  seus   padres no canto das "Completas".  Passei os dias na hospitalidade de José Szczepanski, aguardando a chegada do barco,   para   rumar ao norte. Atravessamos a bahia   sul,   em direção norte,   passando ao largo    de costas montanhosas, estranhamente  recortadas. 0 nivel das águas estava baixo. 0 navio deixava  apôs si uma  faixa escuro-amarela,   pois a hélice  revolvia  a  água,   bem rente ao  fundo do mar, remoen­do a lama. Poucas horas depois desapareceu a  ilha  e  pelo movimento do navio percebemos que adentramos em alto mar, deixando o estreito.    Afastamo-nos do litoral e  só nos  aproximamos novamente  quando  era  noite.   A costa     era escarpada e  o guia  conduziu a nau por entre  rochas e morros.  Fizemos um gran­de  semi-círculo para adentrar na  lagoa, em cujas margens encontrava-se a  ci­dade de  Itajaí.  A escuridão havia  encoberto tudo e mal pudemos ve-la.  Quando pusemos os pés em terra   firme, depois de  saltar por  sobre os barcos estacio­nados, ja  era  noite.  Essa  travessia   por  sobre  os barcos era   secundada  por tábuas colocadas, como pinguelas e    a  altura  até a  água  não era  pequena. Foi  um milagre    ninguém  ter  caído,   morte   seria   certa  na  escuridão.   Paguei caro a galanteria a uma matrona  brasileira,   que  portava um filho em seu braço direito,  enquanto  segurava-na  pelo esquerdo.  Paguei  com a  perda  de um velho chapéu de palha  essa  aproximação romântica  e  agradável...
            Em  Itajajf passei a noite, cercado por um grupo alegre de brasileiros bêbados. Apesar dos avisos dos mais sãos de que todos somos cavalheiros, sumi  furtivamente deste meio.
            No dia   seguinte  palestrei em português com um ancião para  quem havia trazido    cartas de apresentação,   chamado    Liberato Pereira, tio do chefe da   colonização no  Paraná.  Narrou-me muitas curiosidades,  dentre os não quis,   que os alemães constituem a maioria  da   população nos  setores de Brusque e Blumenau,  esta  pertence aos brasileiros    e  italianos.
            Itajai é uma  cidade  brasileira,   com pequena mescla de alemães.  É espalhada,   como todos as vilas principiantes no Brasil. Não tem nada  de típico ou característico.
            No  dia   seguinte  parti  Itajaí acima,   num  pequeno barco.  A  cor­renteza  não é     forte, embora   o  leito  seja  estreito    e  tortuoso,   como aconte­ce  com todo  rio    das montanhas.
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As barrancas planas são recobertas de vegetação viçosa é a relva e pujante.  Ao longe pode  ser divisadas  lombadas.   Chegamos ao  entardecer em Blumenau.
            É uma cidade quase exclusivamente alemã,   fundada em 1852 por Dr. Herman Blumenau, vivo ainda e residente na Alemanha. Fundou a cidade a custa de suas expensas. Os alemães se queixam que o fundador não  cuida da colônia,  mas visa tão  so­mente seus interesesse e lucros particulares. A vila possui  20.000 habitantes e a cidade conta a quatro mil almas.
            A colônia é próspera no setor agro-industrial  e  tornou-se indepen­dente, o que  significa que veio a ser município com administração  e autoridades au­tônomas.   Seu acesso ao mar é feito pelo rio Itajaí. Exporta em quantilade produtos agrários e    manufaturados.  Possui uns 400km. de  estradas balidas de rodagem.   Sua exportação vai de 1,5 a 2 milhões de   mil-réis,  proveniente de açúcar (800  toneladas), cachaça (4000 hectolitros) ,  milho (1,5 milhão de litros),  mais de 1,5 milhões de kgs,  de farinha de mandioca,  1 miliao  de kgs,   de    batatinha,  150 a 200 mil  kgs.  De feijão preto. Possui  200 pequenas fábricas de açucar,  100 moinhos de mandioca, 50 de milho 20 de arroz, 40 serrarias,  20 olarias, 10 fábricas de cigarros, alguns estabeleci­mentos que fabricam sabão, 10 cervejarias, 5 fábricas de vinagre, algumas de vinho, algumas de velas, de manteiga e margarina.  A região possui alguns milhares de cabeças de gado, sendo que outros animais domésticas  ultrapassam o número de 30 mil,  incluindo 3 mil  cavalos e uns 300 muares. Os alemães neste  setor constituem a metade da população, uns 20.000 habitantes, causando a impressão de que  seu número  fosse bem mais elevado, por deterem   em suas mãos o comêrcio e a industria. Os poloneses e italianos,  recem-vindos,   são pobres. 0  setor de Blumenau é mais ou menos como Lucena, Rio Claro, Prudentópolis,   onde, certamente depois de uns 40 ou 50 anos o elemento polonês desempe­nhará papel  idêntico ao que  faz    hoje o alemão,  em Blumenau.
            Detive-me em hotel  alemão e  com dificuldade encontrei poloneses. Finalmente encontrei-me na casa do mestre de sapateiro, Sr.  Wenk,   oriundo de Varsóvia. Convidou-me para hospedar-me em sua casa.  A ele  atribuo nao  só a hospedagem mas a visita e    contactos com os poloneses,   disseminados neste setor. Montando  seu  cavalo e em sua companhia visitei quase todo Blumenau.   Foi um ótimo  colega,   auxiliar e conselheiro,   bem como o  sr.  Kasprowicz de Poznan.  Homem inteligente, jovem e  culto,  em­pregado numa das melhores lojas da cidade, tornou-se verdadeiro guia  numa das partes de minhas visitas.  Trata-se do  Senhor Walkowski,  que na minha opinião  é o homem mais ativo entre os nossos em Blumenau e seus arredores.
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Na residência do sr.  Wenk os patrícios    reuniram-se algumas vezes.  Fui muito  feliz e acertei quando lhes falei  dos objetivos da Sociedade Comercial  e  Geográfica,   bem como  das minhas observações sobre acontecimentos em nosso país. Pelas palestras lá, bem como  em outras localidades tenho- a convicção que passei bem no exame. Teve surto um movimento entre os meus ouvintes e muitas  coisas    agradáveis foram esclarecidas para minha satisfação.  Fui surpreso por um complemento original,  numa situação singular. Um dos ouvintes fez uma alusão mais ou menos clara,  ainda que um tanto de forma desajeitada,  que apareceu por ali um alemão, ou mesmo um dos nossos,  mas certamente um  nosso, que segundo soava a narração portava   óculos no nariz.  Daí  eu pensei  assim:   Se você perdeu os olhos em vista dos estudos,   deve  saber mais do que nós.  Esquecendo  a diplomacia o vizinho me disse por isso  somos muito gratos ao  senhor.
            Na cidade de Blumenau existe um grande mosteiro franciscano.  Todos os frades  são alemães com exceção do  silesiano Lepich. O convento possui enormes construções escolares,   estabelecimentos industriais de ensino para as diver­sas profissões.  Enormes somas ali  foram      empatadas. Sentem-se um tanto independen­tes do bispado de  Curitiba e  tanto  em Blumenau quanto  na região  tratam de resolver por si os problemas religiosos,  impedindo  a vinda de scerdote secular.  Indubitavelmente isso reverte em benefício dos paroquianos.  Estes com freqüência se iludem em receber pastores estranhos,   verdadeiros andarilhos,   sem as necessárias ordens sacras,   como já aconteceu várias vezes no Brasil.  Todavia,   os franciscanos não  sa­tisfazem perfeitamente a todas as ovelhas.  Os poloneses, que  são numerosos  entre os católicos, deitam queixas que o   convento  é agente de  germanização. Recebiam com entusiasmo o Pe. Lepich,  pois era um polonês. Não pronunciava sermões em língua polonesa e semente algumas vezes apareceu entre os nossos. Os poloneses diziam que eles deram açúcar para lamber através de um vidro.   Seguindo  as regras da ordem jamais apareceu sozinho.  Vinha em companhia de outro  frade alemão que não era pro­curado por ninguém.   Segundo    as mesmas normas da ordem franciscana.nenhum   frei poderia gozar de amizade e exercer uma influência preponderante. Quando  existem  sinais de tais fatos,  imediatamente  é transferido.  A alegria oom o  frei Lepich será efêmera, pois é jovem,   competente,  ama seu povo  e é por este amado.  Ao invés de  con­quistar seu povo pelas colônias e obrigado  a trabalhar pesado no  convento, como professor, ou então prestar alguns exames  complementares. Os padres alemães, creio que por esta razão   estão  aprendendo a língua polonesa.

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Todavia,   jamais estarão  em condições de conquistar a confiança dos patrícios,   como um dos  "seus"... Não  comprende a nossa gente,   nem os fieis poloneses o compreendem.  As mulheres mais instruídas chocam-se com determinadas perguntas do confeasor,   este por seu turno não tem noção do pecade que lhe foi  confidenciado,  pois narram-lhe com figuras e tropos de linguagem, ou mesmo em gíria.Um dos sacerdotes franciscanos,  que falava relativamente bem o polones,   surpreendeu-se quando o  sapateiro Kaminski, fez chegar as suas mãos um exemplar do   'Przeglad    Wszechpolski",   na região de Desterro. Não imaginava que pudessem existir tão  cultas,  sábias      e belas coisas.  Guardou o número para decorá-lo.
            Visitei os  reverendos frades franciscanos.  Fui recebido com hospitalidade e gentileza.  Visitei os estabelecimentos,  demorei-me em palestra com o Pe. Lepich e com o prior do convento.
            Na mesma oportunidade visitei o  sábio da localidade   Frederico Müller. Trata-se de uma personalidade singular, amante da liberdade e da natureza. Ofereceram-lhe cátedras e outras honrarias nas universidades brasileiras.  Rejeitou todas. Alcançou uma idade provecta, mas frutuosa no campo científico. Andava descalço,  trajando roupas de lã (calça e camisa).  Não conhecia outra vestimenta. Alimentava-se princi­palmente com feijão preto. Narrou-me que havia feito uma experiência,   alimentado-se durante 4 meses exclusivamente de feijão. Afirmei que jamais havia-se  sentido melhor. Isto  confidenciou-me depois que lhe afirmei que havia feito  semelhante eeperiência du­rante duas semanas. Cansamos de trocar idéias e estranhar porque semelhante alimento não é introduzido na Europa,  tendo em vista seu baixo preço, se comparáramos com a batatinha.  F. Müller não parece nenhum excêntrico,   nem amalucado, mas uma criatura pondera­da,   com maneiras cativantes.  Durante a revolução  de 1893,   simpatizava com os federalistas.  Quase foi morto com outros  12 prisioneiros. 0  sábio preparava-os para a morte no presídio, dizendo que em breve terá lugar o jogo  do bolão.  Em pouco  tempo  surgirá uma bala entre nós...   não  chegou a isso.   Quando me despedi do respeitável  ancião e  sábio não passou pela mente a suspeita de que daqui  a um ano não estaria mais entre os vivos. Morreu de uma fístula mal  cuidada    no pé.   Este mal   arrebaria qualquer jovem.  Os alemães afirmam que Müller forneceu as principais bases para a teoria evolucionista a Darwin, quando este visitou a America Latina. A exuberante    natureza brasileira teria aberto os seus segredos,  desconhecidos até então de todos.
            0  sr. Ignácio  Walkowski,   diretor substituto,  ou mesmo diretor da fábrica de cigarros  "Salinger" encontra-se em constantes viagens pelas redondezas:
           
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Compra fumo dos colonos de diversas nacionalidades,   nomeadamente dos poloneses e italianos. Tomou interesse pelos problemas da Companhia Semergial  e Geográfica e sem dúvida, pode-se  contar muito  com ele em questões colonizadoras ou comerciais,  desde que se chegue a atuar em tais setores.  A ele devo um belo passeio que fiz em muar preto,  por ele cedido e  em sua companhia.
            Pelas 10 horas partimos  para Massaranduba, colônia polonesa de  200  famílias,   onde chegamos a noite. Pela estrada batida, pasaamos ao largo de belas aldeias de colonização alemã;   toda a região é pitoresca,  plaina em trechos,  mas na maioria montanhosa. Ao findarem as serras,  nem sempre    nos got aguardavam estradas sofríveis,   em sentido europeu. Em todo o  caso eram as melhores que conheci no Brasil.  Viajamos por entre campos ou florestas densas, semelhantes a jardins de estufa  da Europa,  que são  realmente as matas virgens destas paragens, completamente despovoadas.
            Em Massaranduba ficamos hospedados na residência do  sr. Jakubowski.    É professor da escola e na realidade é tudo. É  professor,  pai  espiritual e médico. Ele ensina,   cura,    leciona na capela,   construída sob sua inspiração pelos colonos,   faz palestras e preleções -   conseguiu uma situação  de confiança tal   entre o povo  como  se fosse um sacerdote.  É culto  e inteligente.  Sob este  prisma é o primeiro que conheci  entre os poloneses de  Santa Catarina. 0 lituano  casado,  nem sequer se dá conta como  é útil à causa de nossa gente no  campo da atividade e através do exemplo. Se cada colônia tivesse um Jakubowski,   com facilidade poderia ser forçada uma liga comercial - sul polonesa,   realmente influente e poderosa. A ligação  com a mãe - patria igualmente estaria consumada;   seria fácil   estabelecer    laços  comerciais, enriquecer os nossos museus com amostras da flora e fauna dos lugares habitados por poloneses, fundar nossas sociedades,  uniões,  bibliotecas e escolas.
            Massaranduba,   nome dado à colônia,   é uma das maiores  árvores brasileiras.  Em Pará,   estado  tropical,   atinge 100 pês de altura a existe em quantidade. Em Santa Catarina é um pouco menor, existente em pequena número, é uma árvore ordinária e    produz leite que é consumido no Pará.   Quando  seca  é uma espécie de   "Gutaperka"....
            A Colônia consta de  200  famílias,  oriundas do Reino.  Trata-se de uma das levas do movimento  emigratório  da Galícia,   nos anos de 1890-1891,   fase conhecida, como  a  "febre brasileira". Encontra-se  cercada por elementos estranhos, gente pouco esclarecida,  proveniente de una país escravizado.

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Eis a razão porque inicialmente não  está em condições de explorar a natureza e estabelecer os laços comerciais. Não se queixam em demasia.Nas proximidades há colônias mais significati­vas de italianos de Garibaldi  e húngaro-alemães,   como  em Jaraguá,   situada na direção de Joinvill.  Em Massaranduba ou seus arredores,   estabeleceram-se algumas famí­lias alemãs do Reino.  Causaram-me a impressão de  estarem apolonizados.  Ouvi  de  seus lábios queixas amargas contra o Brasil  e  sentimentos de saudade quando  relembrando sua terra natal.   Falavam alemão  e polonês ao mesmo  tempo. Nutriam amor e saudade pela Polônia e   só não  retornavam por causa dos altos custos da passagem. Suas famílias eram numerosas e não tinham certeza,  quanto a sua sorte na Europa,  que os aguardaria depois do  retorno. Estes  são os únicos Empecilhos que os impõem de retornar a terra onde nasceram.
            Passei  dois dias na hospitalidade do  sr. Jakubowski. Os polo­neses reuniam-se    em grande número na construção  em fase de acabamento,  que servia de capela e escola.  Ali  cantavam sob a direção  do mestre.  Fui  apresentado, fiz uso da palavra,  relatei o que se passa na pátria distante,  apresentei as finalidades da Companhia Comercial  e Geográfica,  que me  emviou em missão até aqui, respondi perguntas, es­timulei  a fundação  de sociedades,   escolas,  bibliotecas e companhias,   bem como progugnei pela união com a   pátria-mãe.
            No  dia seguinte rumamos em direção de 3 de janeiro (da­ta histórica do Brasil).  Ali  encontram-se algumas dezenas de imigrantes do  Reino, en­tre os quais a irmã do  sr.   Walkowski. Um grupo mais numeroso de   ambos os sexos reuniu-se a fim de dançar durante a noite inteira.  Tomei parte,  se tódo  envolvido por um  sentimento místico  ao ouvir    os acordes da música polonesa que se  espraiavam pelas selvas brasileiras.  Abraçava as meninas polonesas para dançar.
            No dia seguinte deixamos a linha e retornamos a Massaranduba. 0  caminho  serpenteava por entre  a floresta virgem. Tive a impressão de me encontrar numa estufa experimental. Chamaram a minha atenção  as folhas de diferentes coloridos... de um lado eram marrons,   de outro violetas ou vermelhas.  Era realmente um infindável jardim tropical,   cerrado e muiticolorido.
            A minha viagem seguinte foi   feita em  companhia doa  senhores Wenk e Kasprowicz em direção oposta - o Oeste.   Saindo  de manhaot ,   sem nos deter,  paramos pelo meio  dia em Indaial,  um povoado  considerável  de alemães,  parecendo-se muito  com uma cidade.  As construções eram vistosas,   de material  e  causam a impressão de que  se está às margens do Reno.
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Lá encontramos poloneses e hospedamo-nos da residência do  sr. Böm,  um arvoeiro. Seu nome  soa alemão,  mas tem um coração polonês,  toda sua família,  pa­rentes e vizinhos são poloneses. Não tenho  condição de estabelecer um paralelo de nossa situação em relação aos habitantes alemães.
            Cavalgamos durante a tarde inteira pela linha chamada "Polaquia" até Sand­weg,  habitada por poloneses da Prússia Oriental,  e germânicos da Pomerânia.  A li­nha 'Polaquia - Polaki    em alemão - foi colonizada por prussianos e localiza-se numa belíssima canhada às margens de um rio que desemboca no Itajai.  Saciamos a sede na casa de  um patrício que nos ofereceu água,  com vinagre e açúcar,  néctar divino para quem está sedento. Rumamos a esquerda para uma descida até Sandweg,  onde nos   hospe­damos    na residência do  abastado polonês,   Alexandre Tarnowski.
            Esta família possui uma balsa.   Ali  reuniram-se os irmãos e famílias vizinhas, algumas dezenas de pessoas ao  todo,  de modo que a casa ficou repleta.  Antes do  cair da noite visitamos sua propriedade.  Fiquei impressionado  com o  tamanho  da área de arroz por ele cultivada. Parecia-me uma grande plantação  de cevada.  No meio da mata encontramos uma árvore cortada, de cujo  seio latejava uma espécie de gordura em quan­tidade,   semelhante a óleo.   Segundo  dizem, pode ter a mesma utilidade que o óleo  de oliveira.  A conversação  teve início com o pôr do  sol. Estavam presentes a família de Tarnowski  e inúmeros convidados.
            Soube que em Sandweg existe uma sociedade polonesa, "Concórdia",   cujo presi­dente é o senhor Tarnowski. Lamentaram-se de que na igreja não lhes davam trégua.Os franciscanos afastaram as canções polonesas e estão introduzindo, pelo menos inicial­mente, cânticos latinos. Procuram justificar essa atitude, ou essa violência,   como sendo "desejo"    expresso do  Santo Padre,  para que onde fosse possivel   reseoassem canções latinas e não poloneses e mesmo  alemãs.
            A nossa palestra foi alegre e séria ao mesmo tempo. No dia seguinte,   acompanhados da família Tarnowski, rumamos para a Grande Waranów. É uma aldeia-cidade  semelhante a que existem na Baixa-Silêsia.  Fomos    recepcio­nados pelo  senhor Höszel.  É um galiciano, e assim denominou-se quando o interroguei se era polonês.  É um comerciante abastado,  goza de grande estima entre os patrícios, graças a sua seriedade.  Falava fluentemente o polonês.  É casado om uma alemã e toda sua família é germânica.
            Retornamos a Blumenau,  via Indaial..   borrifados por uma chuva verdadeiramen­te tropical,  que    despencou ao  cair da tarde.

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As colônias de Blumenau    onde habitam os poloneses, formam os seguintes grupos:
1- Massaranduba - Braço do Norte,  3 de Maio,   7 de Janeiro.     Existem ali mais de 200  famílias,   se    aditarmos os luteranos,  que sao poloneses com no­mes alemães.
2- Benedito Novo,   Santa Maria.  Esta última é a mais próxima do Praná e da colônia São Bento.  Encontra-se habitada por poloneses e letoes. Nesta região encontram-se as povoações de    Tigerbach,   Anderbach,   Santa Rosa,   San­to Antônio,  Piranga e Pinheiral.  Em algumas delas os alemães se retiraram porque os poloneses os forçaram a santificar os domingos, ou seja proibindo-lhes trabalhar nestes dias.
3- Agrupamentos na direção de Joinville e do Mar,   rumo Noroeste:   Rio Cedro, Rio  Cunha,  Rio Ada,   Rio Josefina,   Rio Joana,   Rio  Carolina,   Rio Miliones (aqui prevalecem os húngaros de fala germânica), Rio  Garibaldi (predominam os ita­lianos)  e  Rio Erta,   visitada por botocudos.
4-    Sandweg, Poláquia,   Grande Warnów e Pequeno Warnów.
5-    Russland - onde se encontram os alemães da Rússia me os lituanos em
Silberach.
Maiores detalhes sobre  as colônias podem ser obtidas com os senhores Jakubowski  e Walkowski.
Ao visitar as redações dos jornais Blumeneue Zeitunjg e Urwaldobote,  con­venci-me de que os alemães sentem-se isolados de seus    patrícios europeus.   Sentia uma espécie de inveja nas palavras:  "0 senhor veio  visitar os  seus  compatriotas e o nosso grande embaixador nem se dignou chegar até nós, em Blumenau.  Ninguém aqui nos visita,   como  se não existissem alemães em Santa Catarina. Vocês poloneses cuidam muito mais dos seus...'
Deixei  a hospitalidade do  sr.  Wenk e  segui  em  barco até Itajai.  Exatamente, no momento da partida tive oportunidade de conhecer uma proprietária distinta. Possuía pomares e fazia comércio  de frutas.  Fui presenteado  com alguns abacaxis  excelentes. No meu modo de ver,   é o  rei  das frutas no mundo. É saboroso,   suculento,   com  forte odor,   que antes não  tivera oportunidade de degustar. Na  Europa o ananás é um pouco azedo e duro. 0 abacaxi brasileiro desmancha-se na boca até o  caule central.
Depois de algumas horas de viagem,  encontrava-me em Gaspar,  localizada na biforcação  dos riachos Gaspar Grande  e Pequeno.   Ambos desembocam no Itajaí.

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Fui alvo da    hospitalidade do irmão do  sr.  Höschel,   abastado comerciante e homem que goza de grande    conceito na região. Fala fluentemente o polonês,  mas sua família é intei­ramente alemã.
Vi que ele devotava amor à terra Natal - Galícia. Todavia nutria pouco sentimento de polonidade. Com serto  sarcasmo perguntava-me se na Galícia,   ainda se canta "Jeszcze Polska nie  zginela..." (A Polônia ainda não pereceu...).  Afirmei-lhe que mais do que em qualquer outra época ... Cusou-me a impressão de que está sob forte influência dos padres franciscanos. Não lhes poupava elogios.  Entretanto a extraordinária  cordialidade com que me cercou, fez  com que me despedisse dele como  se fosse o melhor dos poloneses.
            Apesar das prevenções do proprietário, parti  depois do meio-dia numa carrocinha em demanda de Brusque, sedo do  setor vizinho  de Blumenau. Nuvens escuras cobriam o  firmamento e   em poucos momentos tive que prosseguir a viagem  em meio  a chuva torren cial,   molhando-me até o último  fio.  Atingi o local   colimado em plena noite.
            Fui á residência do  conhecido  comerciante,  sr.  Börtner do qual me havia falado o velhinho em Itajai,  que não  era nenhum alemão,   mas polonês. Saudou-me em língua ger­mânica,   dmonstrando ser alemão da galícia,   homem que desconhece a língua de sua pátria de origem.  Durante os dias que ali passei  referia-se a nós poloneses,  mesmo diante de alemães.  È natural   de Foninka,   mas radicalmente germanizado,  quer no  tocante à língua quer quanto ao  aspecto  social.
            Brusque mal  merece o nome de cidade. 0  Governo  estadual  não vê com bons olhos este setor...Toda a proteção recai sobre Blumenau, que possui  estradas,   isenção de impostos,   colonização privilegiada, cujas reivindicações são ouvidas com agrado.0 Governador Hercílio Luz trata Brusque  como madrasta.  Existe grande falta de estradas. Por esta razão o progresso da colonização aqui  se desenvolve vagarosamente. Muitas colonias simplesmente estão desaparecendo. Os colonos, impossibilitados de levar seus produ­tos agrícolas as feiras maiores, dependem da boa ou má vontade dos intermediários ale­mães e italianos.  Estes os exploram sem piedade,   como não presenciei  em lugar algum do Brasil.  Formam eles entre  si um convênio,   assim chamado   "ring". A falta de comunicação impede    que  sejam os produtos levados  as feiras maiores  de Brusque ou Itajai,  onde poderiam vender os produtos,   como milho,   ovos,  miudezas,   toucinho,   laticínios,   etc... Os colonos nunca chegam a ver dinheiro.  Vêem simplesmente as mercadorias que lhes são impostas pelos "vendeiros". Tem-se a impressão de que o colono não conhece a cor do dinheiro.

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Sucedeu que um proprietário, habitante, há anos no Brasil,  mostrou-se completo desconhecedor da moeda desse pais...  Por um pequeno favor exigiu    uma recompensa. Dei-lhe um mil-reis. Ofendeu-se dizendo que era muito pouco. Quando lhe dei uma moeda de meio mil-réis aceitou e até me beijou a mão de alegria.
            Os colonos depois de alguns anos ficarão envergonhados, pois nadarão em abundância de alimentos e não terão o que vestir. Por essa razão abandonam as colônia e vão em busca de emprego. Neste setor existe um trabalho dos especuladores alemães, pois lhes interessa que os    campos se despovoem, uma vez que estãosituadas em flo­restas exuberantes. Os especuladores cortaram a madeira das propriedades abandonadas e as levam para comerciar. 0 pobre  colono não está em condições de beneficiar-se  destas riquezas. No local  da colônia em decadência,   surge a colônia industrial,  serra­rias,  com pilhas de madeira,  ripas,  vigas,   etc.  Os colonos freqüentemente tornam-se operários nestas.
            Com um destes alemães fiz um passeio de dois dias pela colônia Lageado,   cujo caminho  conduz por porto Franco.  Para ali demandam os colonos de Lageado,  onde  trocam seus produtos por mercadorias, consideradas as mais indispensáveis. Lá são aguardados como  aranhas pelos dois donos das  "Vendas", de nacionalidade italiana. Aguardam novas levas de imigrantes poloneses. Perguntaram-me se entre eles virão homens cultos e abastados.  Em toda parte,  mas especialmente em Lageado percebi uma vegetação viçosa e uma localização excepcional  às margens de  rios semi-navegáveis. A natureza parece esforçar-se para demonstrar que é inesgotável;   tem-se  a inpressao de que fala.   "Olhai!,  a minha fertilidade não tem limites... Arvores, arbustos, relva, acotovelam-se e  sufocam-se,   fazendo  sombra...   Vós,  homens mesquinhos,  ganancioso e discordes não  sabeis aproveitar isto"...   Enquanto isso ocorre na superfície,  o  seio da terra    aninha minérios.
            Pernoitei na residência do companheiro  de viagem,um dos  especuladores de madeira,  de origem alemã. Parti  de  sua serraria e pilhas de madeira, para uma colônia,   distante alguns    quilômetros.  Visitei,   entre outras a casa do  sr. Estanislau Brasse,   onde me detive por mais tempo. Outrora havia ali  50  colonos poloneses,   agora somente há 19.  As queixas que apresentavam eram as mesmas em toda a parte: riqueza e fertilidade da terra por um lado;  impossibilidade    de  chegar ao mínimo bem-estar por outro.
            Retornando  a Brusque,   desanimei  de fazer semelhante viagem a Ribeirão D'Oro igualmente e decadência,  em razão dos mesmos motivos acima expostos.
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Durante horas tive a oportunidade de dialogar com um alemão, especulador no ramo de madeiras, especialista no setor de Ribeirão D'Oro. A colônia possuía 60 imigrantes poloneses,   dos quais hoje subsistem apenas alguns. 0 próprio  alemão  falou-me que o negócio  de ocupar-se com colonização abandonado é muito proveitoso. Depois de meio  ano de abandono,  o colono  já não possui nenhum direito a ela e o governo pode entregar a propriedade a outrem. Este  é o momento mais apropriado para cortar o mato, ou seja no meio  tempo  que vai  entre o abandono e a entrega,  ou mesmo até que  se decida a iniciar uma nova colonização. Pode-se explorar a madeira durante anos sem que haja maiores problemas.
            Em Brusque  conheci   as principais personalidades,   como o pastor Czejkus, de nacionalidade húngara. Um dos comerciantes procurou explicar-me que os compradores são bemfeitores dos colonos,  pois  sem eles os miseráveis não poderiam viver,  uma vez que ninguém lhes forneceria   roupas,   instrumentos agrícolas,  sal  e outros ..Retrubuí - lhe com um grande desaforo, apontando-lhe um cartaz, pintado a óleo, em que era reprezentado o enterro do caçador, sepultado solenemente pelos animais que havia matado durante a vida e lhe disse:O Senhor quer que os colonos sempre façam enterro semelhante aos compradores...
            A Leste de Brusque, numa distancia de 9km., na direção de Nova Trento (Alferes)  encontram-se 40 famílias polonesas, estabelecidas desde 1875, isto é há 21 anos. Soube a respeito deles por intermédio de operários que trabalham em Brusque. Haviam-me indicado dois nomes: Dubiek a Podjacki. Lastimei profundamente por nao tê-los visitado, tanto mais que atravessei a colônia. Palestrando com o colega de viagem,   simplesmente não me apercebi  de que estava na colônia.
            Parti  de Brusque  em companhia do  jovem Kiedrowski,   funcionário  da casa comer cial  do  sr.  Böttner.  0 rapaz, oriundo  de Poznan desejou  tentar melhor sorte no  Rio Grande do  Sul. Pela tarde alcançamos a cidade que os alemães denominam de Alferes. Detivemo-nos no hotel  de um alemão  rico,   de Tome Gottfried,   chamado  em portmguês por Godofrido.  0  Saxão  recebeu-nos  friamente.  É conhecido  como homem taciturno  e de pouco conversa.   Sabia através do pastor Czajkus que era emissário da Sociedade  Comercial e Geográfica de Lwów e que tinha intenção  de visitar a colônia Pinheira!.  Ofereceu-se como  companheiro de viagem,  proposta esta que por nós foi  aceita de bom grado,  tanto mais que a estrada oferecia perigos,   era ruim nas serras e freqüentada pelos botocudos.
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Partimos no dia seguinte de manhã. Viajamos, marginando um riacho que corre    garboso por entre montanhas. A estrada era excelente até Vacheguna, colônia polono-italiana,   contando com 30  famílias de cada nacionalidade.  Ao  deixar a colônia, entramos numa estrada que poderia ter o nome de  "quebra-pescoço", ora subindo,ora descendo os morros.     Certamente no momento em que escrevo ela pertence ao passado  e deu lugar    a uma estratégica. Mas, ficou para sempre em minha memória.
Do lado direito existem precipícios desnudos ou recobertos de vegetação, enquanto do lado direito escarpas perpendiculares. 0 caminho estava lamacento. Os nos­sos animais atolavam de tempo a tempo, mal podendo galgar as ladeiras lisas e íngremes. Na descida éramos obrigados a descer para saltar ou rolar alguns metros. Para cúmulo da sorte já era escuro e era impossivel  ver a altura  em que nos encontrávamos.  "Fomos forçados confiar nossa sorte aos animais. 0  nosso  coração batia,    em pensar que a qualquer instante algum botocudo desferirá alguma flecha aninhado numa das árvore. Consolava-me,   sabendo que os    selvagens nunca acertam o alvo  em movimento e que costu­mam atacar   pelo-meio dia e raras vezes ao anoitecer. Em determinado instante o sr.Gottfried tornou-se uma massa amorfa,   agitando-se diante de meus olhos,  pois cavalga­va na vanguarda.  0  companheiro Kiedrowski  salta do  cavalo e   vai  em seu socorro.  Faço o mesmo,  correndo  a pé. Ao  chegar até o local,  percebemos que estava sumindo dentro da terra com a cavalgadura. Agarramo-lo pelas roupas,   a fim de  salva-lo  do  atoleiro e precipício no qual  estava caindo.  0 cavalo já havia atolado até o pescoço e não po­dia ser retirado,  apesar de tentarmos segura-lo pelos arreios, para que não afundas­se,   ainda que somente a cabeça estava de fora.   Gottfrie ao já recuperar os sentidos começou a chorar e chamar pelo  cavalo   "Schimmel, Schimmel" 0 pobre  animal   com os olhos esbugalhados,   debatia-se para  sair do  atoleiro.   Corria-se  grande  risco para retiri-lo do  atoleiro. 0 proprietário, com lágrimas nos olhos    segurava os arreios com ambas as mãos,   enquanto olhava compadecido. Era forçoso  dirigir-se  ate  a colônha Pinheiral,   que ficava um pouco distante. Pusemo-nos a caminho com Kiedrowski deixando     Godofredo  à sua sorte,  quiçá nas mãos de botocudos. Pelas 19  horas a noi­te desceu.  Corremos a pé,  pois era impossível  viajar a cavalo na escuridão. Meu companheiro, que tinha boa vista ia à frente, procurei  segui-lo, quase   às cegas,  caindo a cada passo  em poças d`água,   que eram bem mais seguras do que os precipicios.   Se não tivesse o meu  "guia", certamente teria rolado num destes despenhadeiros,   situados a  nossa direita.  A estrada prosseguia descendo. Somente depois de uma hora de caminhada alcançamos uma    baixada,   esgotados     com o  esforço dispendido.
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 Ali  encontramos barracos abandonados que a que tudo indica,  pertenceram a colonização,   como hospedarias. Batemos,  andamos em derredor.Ninguém nos atendeu. Prosseguimos em frente.Uma meia hora depois encontramo-nos em frente a caminhas,  pertencentes aos nossos. Eram galicianos e em cada   casa moravam da 4  a 5 famílias.
            Todos levantaram-se e prontificaram-se em socorrer.  Munidos de machados,  facões,   cortadeiras,  cipós e espingardas (essas contra os botocudos)   tomamos o caminho de volta.   Convencemo-nos de que o  sr.Gottfried era muito estimado. Mal  tivemos con­dições de  ficar de pé Indicaram - nos a venda do  sr. Felski,   da Prússia Oriental. Ali pousamos, ouvindo histórias  sobre os botocudos que recentemente orga­nizaram um assalto a Pinheiral,    trucidando algumas pessoas.  No dia seguinte soube­mos que o  socorro ao  sr.Gottfried veio  somente pelas  22 horas e que o mesmo passou desde as 19  horas,  segurando o  animal pelos arreios,   a fim de  salvá-lo  do atoleiro fatal.  Trabalharam,   escavando  a terra  em derredor do  animal. Quanto mais terra reti­ravam, afundava mais, pelas quatro horas morreu.     Retornaram a casa com   a minha cavalgadura e com o muar do Kiedrowski.  Vimos o  sr.   Gottfried,   na manha seguinte, dormindo na residência de outro comerciante  da Prússia,   sr.    Dubialia.
A colônia Pinheiral parece uma porção  de  terra,   como  se  fosse  transplantada do Paraná. Trata-se de pequeno planalto aoende reina clima diverso das regiões do lito­ral   catarinense.   A temperatura e a fauna são outros.  0 pinheiro  chama especial  atenção
Habitavam ali  200  famílias de colonos poloneses,   atualmente somente existem 50.     Retiraram-se por causa dos botocudos.  Os remanecentes não  tem propósitos de sair. Além  dos prussianos orientais,   encontram-se  ali poloneses e ucranianos e  segundo minha observação prevalecem oa segundos. A colônia Pinheirartem perspectivas de pro­gresso, a partir do instante em que realmente  começou a construção da estratégica. A comunicação, fator principal  do progresso,será facilitada. Várias  turmas estão trabalhando na construção  da estrada. Entre outros, observei um judeu característi­co que  se  distinguia pela aplicação no  trabalho, movimentando  a pá, cortadeira. Os   ucranianos queixaram-se de que os  chamam de   "moscovitas",   "ortodoxos". Mnifestei
minha desaprovação perante tal  atitude e na oportunidade dirigi  algumas palavras, aconselhando harmonia,   amor e respeito mútuo  nesta nova terra,   bem como propugnei pela fundação de uma sociedade. Retornamos  a Pinheiral,  alguns a pé, outros a cavalo. 

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Em  certos trechos a nos  era grande, como pudemos passar na escuridão sem cair no precipício. O caminho era realmente barrendo. Paramos no local, onde havia atolado o animal do Gottfried. O Cavalo morreu quebrando a espinha dorsal. Estava dobrado com as patas trazeiras a pino dentro do lodaçal, o ventre e a cabeça reclinados para o lado... Por isso não afundou mais... Ao meu lado o túmulo escavado e a terra retirada, formqavam um monte, como se fora uma sepultura. Retornamos entrstecidos a Nova Trento.
Prosseguimos a peregrinação no dia seguinte, e pela tarde encontra-mo-nos  costas do mar... em Tijucás... andando por   caminhos sempre montanhosos.  Aqui não apor­tam navios,  razão porque tivemos que rumar até Desterro, por meio de canoa ou a cavalo enfrentando morros difíceis e cansativos. Preferimos canoa a vela.  Os únicos tripu­lantes eram o pai e o filho,   donos do meio de transporte.  Afirmaram-nos que num dia chegaríamos à Capital  de  Santa Catarina.
Envenenamo-nos num restaurante alemão,  de forma que sofremos do mal  maríti­mo,   antes de nos  encontrarmos sobre a água. Partimos com vento  favorável  pelas 10 ho­ras, rufando em direção  sul.  A viagem prometia ser maravilhosa. Afastamo-nos longe da costa,  penetrando  em seguida num longo  canal,   formado pela ilha de  Santa Catarina e por terra continental. A costa escarpada deixava dúvidas quanto à direção do  vento: poderá ser tanto  do  sul,  quanto do norte.
Parecia-me que  seria do norte.  De repente,  contrariando as previsões de nos­so  timoneiro, veio uma onda de vento  contrária.  Tornou-se impossível avançar. 0  céu se obnubilou e fomos forçados a buscar a terra firme. Penetramos numa baía deveras segura,   mas desabiitada.

Os guias ofereceram-nos para meditação  a alternativas:   esperar uma semana ou    procurar outro meio. Essa era a demora do vento numa direção neste estreito. Não  tendo nada para comer,  nem para beber,  perseguidos pela chuva que para cúmulo da desgraça principiou a desabar, não viamos outra solução a não ser procurar as canoas dos pescadores, onde nos deitamos para dormir. Dormimos, ainda que o céu fosse o nosso teto, pois estávamos enjoados, necessitados de repouso. Passamos ai: o dia seguinte e  a noite posterior.
0 vento nao mudava. 0 canoeiro não aceitava prosseguir por nada neste mundo. A minha paciência havia-se esgotado e disse -lhe que prosseguiríamos com os pertences a pé".., ainda que isto nos custásse dóis dias de perambulação. Não se comoveu, dizendo que a vida lhe  era mais cara do que o ganho com o  transporte.  

2 comentários:

  1. Bom dia, de qual Jakubowski vc fala? Sou dos Jakubowski de Sao Mateus do Sul. :)
    Meu email é: bjacoh@gmail.com
    Obrigado.
    Bruno

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  2. Achei ótima a leitura das aventuras deste padre jornalista. Reconheci muitas cidades em que morei. Curitiba, Foz, Joinville, Jaraguá, Florianópolis, tudo em 1892. Uma viagem emocionante, de barco, a cavalo. Tem terceira parte? Onde conseguiu o texto? Peço tua permissão para usá-lo.

    http://kieltykabrasil.blogspot.com.br/2013/10/a-historia-contada-parte-i.html

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