segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um final feliz.




Um final feliz a “Casa Estrela”


A RUA ZAMENHOF, NO ALTO DA GLÓRIA, ESTÁ EM VIAS DE PERDER SEU ENDEREÇO MAIS CÉLEBRE - a Casa da Estrela, número 56. A residência toda em madeira, construída com cinco pontas e de uma enge-nhosidade que deixa boquiaber­tos arquitetos dos quatro costa­dos, foi doada à Pontifícia Uni­versidade Católica do Paraná, no último dia 5, pelos três her­deiros de seu construtor, o peri­to contador Augusto Gonçalves de Castro, morto na década de 70. A partir do mês que vem, a casa será desmanchada, mapea­da, catalogada e transferida para o Câmpus Prado Velho, onde vai funcionar como exten­são do Ateliê de Restauro, espa­ço cultural e, fatalmente, uma curiosidade para parte das 30 mil pessoas que circulam por ali diariamente. A estimativa é de que o processo todo demore um ano e meio.
A casa - feita em período incerto dos anos 30 - tem arqui­tetura inspirada na estrela de cinco pontas, símbolo do espe-ranto, língua criada no fim do século 19 pelo médico polonês Ludovico Zamenhof a partir de elementos comuns a diversos idiomas. Zamenhof batiza a rua da Casa da Estrela desde 1952, quando um congresso de espe-rantistas em Curitiba resultou na aposentadoria da placa em que estava escrito "Manoel Félix". A retirada do Alto da Glória corresponde a desman­char um campo de futebol na Rua Charles Miller. Mas ainda é lucro.
A doação da Casa da Estrela arejar, mantinha o jardim em ordem, além de atender às levas de estudantes de Arquitetura e de profissionais que pediam para dar uma espiada na Estrela -comumente esticando a visita, embalados pelas histórias do anfitrião. Nessas ocasiões, lem­brava a saga de seu pai, um vi­sionário que fez a casa em qua­tro anos, trabalhando depois do expediente, e que precisou ven­der um Ford para comprar lotes de pinheiro de seis metros usa­dos na fachada. Castro ia a cam­po munido de conhecimentos construtivos que pareciam não ultrapassar os de um curso por correspondência, um ajudante, um lampião de carbureto para iluminar a noite e um serrote de 20 centímetros, de fabricação própria. Nada mais. Como se dizia, "isso é incrível".
Vista da Rua Zamenhof, a Casa da Estrela mais parece um chalé de madeira antigo, com relativo destaque diante das estimadas (informalmente) 12 mil casas de madeira que sobre­vivem aos cupins e à Curitiba de concreto, vidro fume, dourado e estilo neoclássico inglês. Faz parte das 20 casas de madeira transformadas em Unidades de Interesse de Preservação (UIPs) pelo Ippuc e tem licença para translado. Tempos atrás, cogi­tou-se levá-la para a Vila da Madeira, no Parque do Atuba, sem avanços. Olhando de dentro, causa perplexidade instantânea saber que alguém construiu algo tão complexo com tamanha eco- lomia de recursos e em condi-ões adversas. A obra de 178 netros quadrados, pé-direito de !,50 metros, foi feita com encai-:es artesanais e nenhum ângulo le 90 graus. Especialistas no .ssunto, como o arquiteto Key maguire Júnior, professor da JFPR, pesquisador de arquitetu-a de madeira e fã confesso da nvenção de Castro, não acredi-a que haja no mundo algo igual.
Não é exagero. Além da edifi-ação em cinco pontas - que em ondições normais exigiria cál-ulos dignos da Nasa e coragem le alpinista para sair do papel,  interior da Estrela é uma espécie de manifesto à fraternidade iniversal, bem a gosto da Teosofia, que, ao lado do esperanto, governava os sonhos de Castro. A crença de que todos os povos poderíam falar a mesma língua e viver em harmonia é traduzida nas paredes, corredores e quartos que se cruzam por meio de janelas internas e de um mezanino circular. Ou seja, os moradores podiam se ver, falar e interagir o tempo todo, formando um laboratório doméstico de como o mundo poderia ser - com a vantagem de ter aroma de café.
Preservar esse exemplar sem similares se tornou uma causa ão só para os filhos e netos de astro, mas para gente como Imaguire, cujas negociações para levar a Estrela para o Centro politécnico da UFPR - onde funcionaria como laboratório de arquitetura - esbarraram na burocracia, enterrando a melhor roposta dentre as muitas feitas ara salvar a casa. A entrada da PUCPR na doação compensou tantos esforços e acenou um final feliz. Agora é acompanhar passo a passo a transferência, dentro de um ano e meio, a casa “diferente” da pequena Rua Zamenhof vai virar a estrela do rado Velho. » José CaRlos FernaNdes

Alunos vão acompanhar a transposição.

A PRIMEIRA PROVIDÊNCIA E OS NOVOS RESPONSA­IS PELA CASA DA ESTRE-VÃO TOMAR É A RETIRA­DO TELHADO, nas próximas anas, assim que a prefeitura aprovar o diagnóstico da PUCPR, contando como será o translado e para onde. A consulta prévia já foi uninhada. Segundo o arquiteto idio Maiolino, professor da Católica especializado em restauro patrimônio histórico, cada metro quadrado de telha pode chegar a 300 quilos, com variações em dias de chuva. Essa sobrecarga é fator de risco para uma construção de aproximadamente 80 anos em algumas avarias. Na sequência, a obra será embalada por cinco lonas de 10 x 10 metros, inaugurando o período de jejum da Estrela - ela só poderá ser vista nteiro novamente em 2007. 0 processo de dépose, como o desmanche e reconstrução são chamados, será coordenado por Cláudio Maiolino com a partici­pação de dois grupos de até seis alunos cada. A atividade vai fazer parte da disciplina Técnica Retros­pectiva, de 108 horas, lecionada nos últimos períodos do curso de Arquitetura, e deve ser reciclada até o término do projeto. A Casa da Estrela vai ser reinstalada lentamente num bosque do câm-pus Prado Velho, próxima ao Ateliê de Restauro e ao prédio da Administração, e terá cada etapa documentada e fotografada, tendo em vista a edição de um livro. 0 Arquitetura, e deve ser reciclada até o término do projeto. A Casa da Estrela vai ser reinstalada lentamente num bosque do câm-pus Prado Velho, próxima ao Ateliê de Restauro e ao prédio da Administração, e terá cada etapa documentada e fotografada, tendo em vista a edição de um livro. ponto exato do novo endereço não foi definido, pois há muitas árvores no local, o que vai exigir estudos preliminares.Segundo Maiolino, não se tem notícia de patrimônio transferido, literalmente, de um ponto da cidade para uma instituição de ensino. A expectativa em torno do projeto é grande. A começar pela primeira etapa, que vai durar seis meses e exigir nervos de aço do arquiteto. 0 dépose exige estraté­gia de guerra, ainda mais em se tratando de uma casa que não segue o estilo quadradão da arquitetura de madeira conven­cional. Cada tábua é numerada, os pregos serrados (para evitar danos), as peças mapeadas, nu­meradas e fotografadas antes de serem acomodadas em lotes. A previsão é de que as perdas não ultrapassem 20%, podendo chegar a 100% nos beirais. É um bom sal­do, graças ao trabalho de conser­vação feito por Moysés de Castro, um dos herdeiros. Perdas de 40%, bastante comuns, costumam invi­abilizar o resgate de casas de madeira, pois superam o que os órgãos de defesa do patrimônio podem custear.
A PUCPR não divulga oficial­mente os valores investidos, pois toda a mão-de-obra virá da hora-atividade de funcionários da insti­tuição, mas é provável que chegue a R$ 120 mil - a contar pelo tem­po destinado ao programa. „Já estamos com a chave da porta”, festeja Maiolino. (JCF)
80 ANOS é a idade aproximada da Casa Estrela, que será desmontada cuidadosamente, com cada etapa do trabalho sendo catalogada e fotografada.
300 QUILOS é o peso aproximado apenas do metro quadrado das telhas que serão retiradas da construção -peso que pode aumentar em dias de chuva.
2007  É O ANO em que a casa poderá ser vista montada novamente, na sede do Prado Velho da Pontifícia Universidade Católica do Pa­raná.
R$120 MIL é o investimento estimado para o processo de transferência da Casa Estrela, embora o valor exa­to não seja divulgado pela Uni­versidade Católica.
Gazeta do Povo, Paraná, 27 de maio de 2006, Sábado, p. 5

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